terça-feira, junho 27, 2006

« Na senda dos magriços » ? ( 20 Junho 2006)

Encolhído no meu canto, debruçado sobre o meu pires de caracóis e a minha imperial, só rezava a todos os santinhos para que ninguém me perguntasse o que tinha eu achado da notável exibição contra o Irão e das nossas infalíveis probabilidades de sermos campeões do mundo.

DEVO ter sido um dos raros portugueses que não viram o Portugal-Irão: não vi em directo, não vi em diferido, não vi resumos, não vi sequer os golos. Não vi nada: acompanhei a marcha do resultado por SMS e foi tudo. Pela primeira, e espero que última vez na minha vida, falhei por completo um jogo de Portugal no Mundial - como, aliás, falhei todos os jogos do Mundial entre sexta e segunda, excepto 20 minutos do Brasil-Austrália, vistos numa televisão de aeroporto. Mas é assim a vida: umas vezes podemos escolher, outras não há escolha possível e só resta conformarmo-nos.

Onde estive forçadamente arredado do Mundial, é, todavia, uma das pátrias do futebol: a Itália. Mais precisamente, Turim, onde o recente escândalo de viciação de resultados que abala o cálcio ameaça remeter o clube emblemático da cidade e da Fiat, a Juventus, campeão em título, para a segunda divisão. Desde há muitos anos que tenho para mim que a Itália é o país mais civilizado do mundo, naquilo que eu entendo por civilização. E, apesar da paixão com que os italianos vivem o futebol, não foi, por isso, com grande estranheza que eu vivi três dias em Itália sem dar pelo Mundial e sem escutar nenhuma conversa sobre futebol, nem sequer uns lamentos pelo tropeção da Squadra Azurra frente aos americanos. Bandeiras nacionais nas janelas raríssimas, nos ' carros nenhuma, e tema do fim-de semana e de todas as conversas, não o Mundial, mas a prisão de Vittorio Emanuel de Sabóia, pretendente ao trono de Itália e descendente directo do Rei do mesmo nome que unificou o país, miseravelmente acusado de associação de malfeitores para promoção da prostituição. Sic transit gloria regia...

No avião que domingo me trouxe de volta procurei, como um náufrago, relatos da prestação da Selecção frente ao Irão. No Diário de Notícias, o título, que dava o mote a quase todos os textos da nossa imprensa: "Na senda dos Magriços". Um coro de elogios sem freio atravessava toda a nossa imprensa, com a excepção, também no Diário de Notícias, de alguém que, escrevendo num blogue sob o pseudónimo de Maradona, dizia cobras e lagartos da nossa prestação, dizendo que pouco tinha melhorado em relação ao jogo com Angola. Na imprensa internacional, e com excepção do L´Équipe, os encómios também não eram muitos e podiam ser resumidos na frase do La Nácion, de Buenos Aires: "Não assustam ninguém".

Desembarquei baralhado nas conclusões, mas movido por um incontrolável desejo patriótico de caracóis com imperial, que me fez rumar de imediato a uma tasca em Alcântara, onde dois sujeitos, fardados com aquilo a que um leitor do Público chamou "traje do patriota futebolístico", discutiam se Portugal iria ser campeão do mundo ou se perderia para o Brasil, e isto depois de considerarem devidamente o peso da ameaça representada também pelas possibilidades de Angola (certamente, trata-se de leitores atentos dos bilhetes-postais do Professor Marcelo, na última página deste jornal). Encolhido no meu canto, debruçado sobre o meu pires de caracóis e a minha imperial, só rezava a todos os santinhos para que ninguém me perguntasse o que tinha eu achado da notável exibição contra o Irão e das nossas infalíveis probabilidades de sermos campeões do mundo, para que eu não tivesse de responder, para grande consternação da assembleia, que não tinha visto o jogo e que, enfim, em todo o caso achava que 1-0 a Angola e 2-0 ao Irão não era bem comparável à saga de 66: 3-1 à grande Hungria de então, 3-0 à Bulgária, e 3-1 ao Brasil de Pele, até chegarmos aos oitavos-de-final.

Acabrunhado com a sensação de ter perdido, sem remissão possível, um dos grandes momentos do futebol português, se não mesmo da história de Portugal, baralhado com a nenhuma importância que a imprensa lida à pressa tinha dado ao facto de um tal José Silva (o mais português de todos os nomes), investigador em Edimburgo, ter publicado um artigo na mais prestigiada revista cientifica do mundo, a Nature, onde revela a descoberta que está à beira de conseguir - o rejuvenescimento das células velhas da pele, isto é, a hipótese louca da eterna juventude - fui sentar-me em ânsia de zapping diante do televisor, na esperança tardia de poder enfim ver o Portugal-Irão.

Mas, não, esperança vã. Em vez disso, tive, sim, ocasião de ver duas coisas absurdas, despropositadas, acima de tudo inconvenientes. Uma foi proporcionada pela RTP-Memória: a revisão de um Portugal-Letónia de 1995, jogo de qualificação para o Europeu de 96, jogado no antigo Estádio das Antas. A Selecção era treinada por António Oliveira e formada por sete (!) jogadores do FC Porto (Baía, Pauli-nho Santos, Fernando Couto, Jorge Costa, Secretário, Folha e Domingos) e mais quatro já então estrangeirados de luxo: Figo, Rui Costa, Paulo Sousa e Futre. Aos 20 minutos de jogo e antes de termos adormecido, venci amos já por 3-0, e sabem o que me pareceu verdadeiramente inconveniente e sei que não devia confessar de maneira alguma? Jogavam muito melhor do que agora! Incomodado, mudei de canal e subitamente dei com o seleccionador a falar: era o canal Giga Shoping e passava a integral do anúncio ao relógio oficial da Selecção e da Federação, protagonizado por Luiz Felipe Scolari. Passaram duas vezes seguidas o anúncio, o que me deu para não ficar com dúvidas sobre a mensagem clara: quem é bom patriota, está com a Selecção de Scolari e usa o relógio oficial, na módica quantia de 125 euros, podendo ser pagos em seis suaves prestações. E assim me fui deitar, exausto de Pátria.

Segunda-feira, li a já mais calma imprensa desportiva. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Nem Berlim nem Alcácer-Quibir. Algumas coisas tidas como óbvias: foi melhor contra o Irão do que contra Angola - o que não era difícil de acontecer; voltou o melhor meio-campo, o tal que Mourinho construiu no FC Porto campeão europeu e que Scolari só descobriu depois de todos os outros e depois de ter perdido o jogo inaugural do Europeu de 2004 - Costinha, Deco e Maniche; e que, se a meta mínima dos oitavos-finais já está adquirida, falta ainda um teste de verdade, que se espera possa ser já contra o México. Tudo visto (e não visto) e tudo ponderado, acho que o mais urgente, o mais importante e o mais indispensável está conseguido. Sinceramente, não acho relevante que os dois primeiros jogos não tenham sido de encher o olho: é muito mais relevante que se tenha melhorado do primeiro para o segundo, porque se isso não tem sucedido é que seria preocupante. Agora, conseguida a qualificação, chegamos à fase das decisões e já contra o México. Chegamos na mais cómoda das situações, mas, apesar de tudo, a exigir uma decisão de Scolari: jogamos para o primeiro lugar ou para o segundo, apostamos na Holanda ou na Argentina, poupamos os jogadores amarelados e os mais cansados ou não poupamos ninguém? Seja qual for a decisão e o resultado do jogo com o México, porém, trata-se apenas de um jogo de transição. O importante virá a seguir: aí é que está a linha traçada na areia, para além ou para aquém da qual se fará a história desta nossa participação no Mundial da Alemanha.

PS- Ao contrário do que Luiz Felipe Scolari presumiu na sua ignorância, eu sou um apaixonado de longa data do Brasil e leitor atento da sua imprensa e dos seus escritores. E uma das coisas que eu gosto no Brasil é que lá os intelectuais, como depreciativamente lhes chama Scolari, ocupam-se regularmente de futebol, tal qual os que nunca leram um livro. Na semana passada, dois intelectuais brasileiros, que, por acaso, são os dois escritores vivos mais prestigiados do Brasil, Luis Fernando Veríssimo e João Ubaldo Ribeiro, escreveram sobre a prestação inaugural da Selecção brasileira no Mundial e arrasaram-na. Até à data, não consta que Carlos Alberto Parreira os tenha tratado de "bosta".

Gosto mais de sardihas assadas ( 13 Junho 2006)

O Mundial são equipas a mais, jogos a mais, tempo a mais. Não mais do que um quarto dos jogos tem verdadeiro interesse, e não mais do que um quinto acabam por ser grandes jogos de futebol. O resto é pura e dura promoção, que acaba por esmagar tudo à volta, como se não houvesse vida para além do Mundial.


1- O Mundial já vai no quarto dia e com alguns 12 jogos disputados, e tudo o que eu vi foi o Angola-Portugal, aliás um jogo profundamente aborrecido - se é que o Luís Figo permite que se diga isto. Um fim-de-semana a gritar por Algarve, vento sueste, praias semidesertas, o mercado do peixe de manhã, a sesta na rede à tarde, umas sardinhas assadas ao final do dia, noites de lua cheia, o último livro do Mário Cláudio para ler e um sono embalado pelo canto dos pássaros - enfim, os sinais do Verão por todos os lados - e como é que me haveria de dar para ficar em frente da televisão a ver um Inglaterra-Para-guai, um Suécia-Trindade e Tobago ou um Japão-Austrália?

Amigos e conhecidos meus meteram férias agora, pediram ao médico amigo que lhes desse umas baixas criteriosas, invocando stress ou mal de viver, ou então, pura e simplesmente, declararam que iam hibernar por um mês, só para ficarem em casa diante do televisor a assistir ao Mundial, de fio a pavio. Mais sofisticados e mais in, outros compraram pacotes de Mundial, saindo de Lisboa de manhã para ir ver um jogo e regressando logo após ou no dia seguinte. Eu, não. Eu estou como o Vítor Baía: "A Alemanha não faz parte do meu roteiro de férias." E, quanto à televisão, tudo bem, desde que os absurdos horários dos jogos não colidam com uma praia com vento sueste, umas sardinhas a morrer na brasa ou uma lua a deslizar pela frente da minha noite. Peço desculpa a todos os que andam de bandeira ao vento, a todas as criancinhas que se passeiam equipadas à Selecção Nacional, aos repórteres histriónicos da televisão que interrompem a emissão para gritar "alarme na Selecção! O Deco lesionou-se no treino desta tarde!", a todos os políticos em desfile pela Alemanha, mas o meu amor à Pátria e ao futebol tem limites. Afinal,tudo na vida é feito de escolhas.

Aliás, venho constatando que, ano após ano, o futebol vai tendo cada vez menos capacidade de determinar as minhas escolhas. Este ano, por exemplo, falhei, quer no estádio, quer na televisão, jogos decisivos do meu clube, porque estava ocupado com coisas mais urgentes ou mais atraentes. Pouco festejei o título do FC Porto e foram mais as razões que me levaram a irritar-me com o futebol visto, ouvido e discutido, do que as que me levaram a agradecer-lhe momentos de puro prazer. Quantos jogos terei eu visto este ano que me encheram as medidas? Talvez uns três, não mais do que isso.

Mas, quanto pior é o futebol que se vê, maior é a importância sempre crescente que ele tem. Maior é o protagonismo dos dirigentes, maior é a prosápia dos treinadores, maior é o vedetismo dos jogadores. Chega a um ponto em que só me apetece desabafar: "Basta! Trata-se apenas de saber dar chutos numa bola! Há uma quantidade de gente que faz coisas bem mais interessantes e importantes e que não tem nem um centésimo das atenções dispensadas aos do futebol."

No que ao Mundial diz respeito, eu continuo a achar que são equipas a mais, jogos a mais, tempo a mais. Não mais do que um quarto dos jogos tem verdadeiro interesse, e não mais do que um quinto acabam por ser grandes jogos de futebol. O resto é pura e dura promoção, que acaba por esmagar tudo à volta, como se não houvesse vida para além do Mundial. Eu sei que isto pode parecer estranho de escrever num jornal que, acima de tudo, se ocupa do futebol, mas acredito que, como em tudo o resto na vida, a quantidade mata a qualidade. O que é de mais torna-se banal e o que é banal torna-se desinteressante. Enfim, lá mais para diante, quando o Mundial já estiver limpo das Selecções apuradas segundo um critério politicamente correcto, hei-de, fatalmente, perder algumas horas a ver o que verdadeiramente interessa. Quando, além do mais, for lua de quarto minguante e o vento tiver virado a norte.

2- Não sei se distraídos pelo Mundial, se despertos para a realidade das suas situações financeiras, os clubes portugueses, e em particular os grandes, têm protagonizado até aqui um defeso anormalmente calmo em termos de compras e vendas. A excepção tem sido o Sporting de Braga, fazendo o papel de novo rico e afirmando-se disposto a mais altos voos.

No FC Porto, há notícia de duas contratações e nenhuma venda, continuando o problema principal a ser, como de costume, o destino a dar à vintena de jogadores excedentários, comprados por atacado em momentos de perigosa euforia, e agora amarrados por contratos de longa duração e salários a que ninguém mais quer chegar.

No Sporting, prossegue a política de prescindir dos anéis para salvar os dedos. Vende-se o património imobiliário e anuncia-se que aquisições só por empréstimo ou a custo zero. Alguns, saudosos da antiga fidalguia, protestam contra esta gestão, mas, na hora da verdade, nada de melhor têm para propor e por isso não convencem quem deviam.

No Benfica, a situação é basicamente a mesma, mas ainda se pretende enganar o pagode com aquele tipo de declarações de que "os bons jogadores interessam sempre ao Benfica" ou que "o Benfica está atento ao mercado". Depois, repetem-se de Verão para Verão aquelas patéticas cenas, que são já uma imagem de marca do clube: primeiro, deixa-se noticiar que o Benfica está interessado em determinado jogador; a seguir e durante uma semana, vai-se ouvir o jogador dizer que "o Benfica é um sonho"; finalmente, o desfecho acaba por ser invariavelmente o mesmo - o jogador, já com um pé e todo o coração e cabeça no Benfica, aparece a assinar surpreendentemente por outro clube. E logo se retoma a novela com novo candidato. Entretanto, e trocando a realidade por miúdos, assim como no FC Porto neste defeso se desespera por vender McCarthy, no Benfica desespera-se por vender Laurent Robert e Simão Sabrosa (que, aliás, já deve estar vendido, não a um clube, mas a um empresário).

Mas, tudo visto, são boas notícias: o juízo parece ter chegado à cidade.

3- Lendo por alto, é possível estabelecer vários momentos no chamado caso Gil Vicente e ver claro. Num primeiro momento, há uma lei absurda que obriga um jogador a fingir-se amador quando já é profissional, assim limitando, de facto, a sua liberdade de trabalho. Num segundo momento, o Gil Vicente, consciente da lei e da sua aplicação ao jogador Mateus, resolve contorná-la, apelando para a justiça comum e através da esperteza saloia de fingir que quem recorria era o jogador e não o clube. Ora, mal ou bem, existem regras, nacionais e internacionais, que vedam o acesso à justiça comum em matéria de direito desportivo. Ninguém é obrigado a aceitar tais regras nem a inscrever-se nascompetições onde ela vigora: trata-se de competições particulares e fechadas, com regras próprias. Ou se aceita ou não se aceita, não se pode é aceitar para estar lá ~ dentro e não aceitar quando não convém. A Comissão Disciplinar da Liga decidiu, pois, e com toda a lógica, despromover o Gil Vicente, por não ter acatado tal regra. Mas depois resolveram inventar nova reunião, como se a primeira não tivesse existido, trazer a votar quem não tinha votado e inventar um voto de qualidade do presidente para mudar tudo. Foi uma palhaçada: mais uma, digna de um órgão que tudo o que faz é uma palhaçada - jurídica, desportiva, ética.

Falemos de coisas mais importantes ( 06 Junho 2006)


Sábado passado, deliciado a assistir a um grande jogo de ténis, dei comigo a pensar que bom é haver vida desportiva para além do futebol - num momento em que parece que não há nenhum outro tipo de vida, desportiva e não desportiva para além do futebol e do Mundial.

1- Sábado passado assisti a um dos grandes momentos desportivos deste ano: o jogo dos 16 avos-de-final de Rolland Garros, opondo o campeão em título e nº2 do ranking, Rafael Nadai, ao francês, 32º ATP, Paul-Henri Mathieu. No dia em que completava apenas 20 anos de idade(!), o maiorquino Nadai, uma espécie de apache em fúria no court, teve de sofrer 4 horas e 53 minutos para se livrar do seu corajoso adversário - apenas treze minutos a menos do que durou, no mês passado, a célebre final de Roma, vencida em cinco sets pelo mesmo Nadai contra o nº1 mundial, Roger Federer.

E, ao longo das quatro horas e 53 minutos de jogo, pude, uma vez mais, confirmar a minha certeza de que o ténis é o mais bonito desporto alguma vez inventado e compará-lo, sei lá, com o futebol, por exemplo. E dei comigo a interrogar-me porque me deixo envolver tanto com o futebol - que, ao pé do ténis, não passa, hoje em dia, de um grande negócio alimentado ou pela paixão clubista e nacionalista ou pela esperança, quase sempre defraudada, de, de vez em quando, assistir a um grande espectáculo, como nos tempos em que os seus protagonistas se chamavam Maradona, Sócrates, Zico, Cruyff, Beckenbauer, Netzer ou Madjer.

Para começar, o ténis não tem clubes - o que, desde logo, afasta a paixão e a cegueira clubista. E, mesmo quando se torce por um compatriota, a beleza e a intensidade do duelo são tamanhas, que fatalmente acaba-se a torcer pelo mais corajoso, mais combativo ou melhor jogador. Depois, há uma rede a dividir os jogadores, o que impede desde logo o antijogo e as tácticas defensivas - muito embora, e essa é uma das atracções do jogo, se assista muitas vezes a duelos entre jogadores mais defensivos, como Nadai, e outros mais de ataque, como Mathieu. O facto de não ser um jogo colectivo retira ao ténis o lado de desenho estratégico em movimento, que é um dos aliciantes do futebol, mas isso é largamente compensado pelo seu lado de duelo medieval entre dois contendores. E, por maior que seja a diferença entre ambos, é raríssimo que, ao longo de todo um jogo, um dos contendores esteja permanentemente por cima: cada um deles atravessa diferentes momentos de inspiração ou de desinspiração, de coragem ou de recuo, de fé ou de descrença. E é impressionante a capacidade de resistência física e psicológica de jogadores que são capazes de estar a trocar bolas, em permanente movimento e esforço, durante uma partida que chega a durar mais do que três jogos de futebol. Depois, há toda a beleza técnica e estética do jogo em si mesmo, que não vale a pena sequer tentar explicar: ou se entende ou não se entende.

Finalmente, e não menos importante, o ténis permanece, ao longo de mais de um século de existência, um verdadeiro desporto de cavalheiros. Ninguém se atreve a contestar o árbitro - quando muito, pede-se-lhe delicadamente que ele confirme que a bola foi fora ou não. Nenhum jogador discute com o outro durante o jogo e são raríssimos, ou nenhuns mesmo, os casos em que um jogador ousa atribuir a derrota a falta de sorte ou culpa do árbitro. A regra é só uma: quem ganhou, mereceu ganhar.

Portanto, sábado passado, deliciado a assistir a um grande jogo de ténis, dei comigo a pensar que bom que é haver vida desportiva para além do futebol - num momento em que parece que não há nenhum outro tipo de vida, desportiva e não desportiva, para além do futebol e do Mundial.


2 -Aqui há umas semanas houve um debate, salvo erro na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, sobre o jornalismo desportivo. Li nos jornais que um dos participantes, jornalista, contou que no voo que levou recentemente a equipa do Benfica a Moçambique, Luís Filipe Vieira terá passado um violento raspanete a toda a imprensa desportiva que acompanha normalmente a equipa, já não sei a propósito de que assunto. E que, estranhamente, tal episódio não foi relatado nem referido por nenhum dos destinatários que seguiam a bordo. Não sei se a história é verdadeira ou não; sei que veio publicada na imprensa não desportiva e que ninguém que eu tivesse visto, a desmentiu, assim confirmando implicitamente a sua veracidade e as lições que ela implica. Lembrei-me disso a propósito da conferência de imprensa em que o seleccionador nacional anunciou a sua escolha dos 23 para a Alemanha. Obviamente, o interesse principal era ouvir da boca dele uma explicação para a não convocação de Quaresma e outros. Mas bastou que Scolari tivesse anunciado previamente que não respondia a perguntas sobre os não convocados para que todos os jornalistas presentes acatassem obedientemente a sua ordem. Do mesmo modo, só depois de alguns comentadores terem levantado a questão de saber se o calor de Évora era o melhor ambiente para preparar a Selecção e se os jogos contra Cabo Verde e o Luxemburgo seriam os testes mais adequados, é que alguns jornalistas ousaram aflorar o assunto para logo serem ameaçados pelo dr. Madail, que jura que vai voltar da Alemanha de dedo em riste para apontar os "antipatriotas" que ousam questionar a infalibilidade divina de quem decide estas coisas transcendentes.

Quero apenas recordar que o silêncio e a submissão da imprensa são maus conselheiros. Lembrem-se de Saltillo, onde o silêncio conivente perante a rebaldaria em que vivia a Selecção, no total desconhecimento de todo o país, foram contributo decisivo para um dos mais vergonhosos episódios do desporto português de todos os tempos. Quem lá está é que sabe com que linhas se deve coser. Mas seguramente não podem crer que andamos todos bem informados com a simples menção de mais um treino ligeiro da Selecção ou aquelas conferências de imprensa onde, com algumas raras excepções como Costinha, os jogadores debitam as maiores banalidades possíveis como se dissessem coisas de uma imensa importância e profundidade. Não basta relatar que a Selecção foi recebida em Marienfeld por dez mil emigrantes portugueses, numa impressionante demonstração de amor ao país distante e crença na equipa nacional que o representa e cuja simples presença tanto significa para esses portugueses longe de Portugal. É preciso contar também que a Selecção passou por eles como se não os visse, não perdendo sequer três minutos a lhes agradecer o esforço, o estímulo e o sacrifício.

3- A seu tempo e se estiver para me chatear com o assunto, darei a devida resposta à parte que me tocou da entrevista do sr. Scolari à imprensa brasileira. Por ora, limito-me a dizer que ela apenas confirma o que já se sabia, mas que também é tabu: que o seleccionador nacional é um sujeito mal-educado, arrogante, ignorante e saudoso de regimes sem liberdade de imprensa nem regras de conduta democrática. Até pode, por absurdo dos deuses, voltar da Alemanha com o título mundial na bagagem: nem isso, a meu ver, o tornaria qualificado para representar e chefiar a Selecção do meu país. E pouco me importa se, como ele diz, houver 99,9 de portugueses que não pensam assim. Sorte a dele!

Comecem depressa o Mundial! ( 30 Maio 2006)


Perdoem-me a blasfémia mas, enquanto português, tenho infinitamente mais orgulho na Maria João Pires que no Cristiano Ronaldo e no António Damásio que no Luís Figo. Cada um é livre de definir a sua noção de pátria e de heróis nacionais. E esta é a minha.

1- Como já devem ter notado, gosto muito de futebol. Gosto do jogo, da sua lógica e estratégia, que combina o sentido de equipa com o talento individual, da escola de qualidades humanas que o futebol pode constituir pela vida fora. Gosto da paixão, do clubismo, das cores, dos jogadores excepcionais. E gosto de tudo no espectáculo de futebol: os estádios, as luzes, a relva, a estética, a coreografia, os sons e o ambiente. Só tenho pena, uma infinita pena, que os modernos estádios portugueses tenham posto fim àquelas fantásticas roulottes de sandes de entremeada e courato, vinho morangueiro e imperial, em benefício dos assépticos e estúpidos bares inspirados nessa sinistra invenção dos nosso tempos que são os McDonalds e afins.

Mas, para mim, o futebol é apenas isto: um grande jogo, um magnífico desporto e, por vezes, um deslumbrante espectáculo. E nada mais. Não é, nem será nunca, compensação para frustrações alheias à coisa em si, fonte de inspiração patriótica ou motivo de redenção nacional. Eu já adorava futebol quando o Estado Novo usava o futebol para nos distrair da miséria política e cultural em que vivíamos, tentando fazer-nos crer que, por termos aquela fabulosa equipa do Eusébio e seus pares de 66, só podíamos ser um grande país. Eu não irei, pois, pendurar a bandeira nacional na janela de minha casa ou do meu carro nem irei associar-me a imbecis manifestações de patrioteirismo ad hoc, a mando de um seleccionador brasileiro que se convenceu de que nos havia de transformar a todos em súbitos patriotas, à boleia da Selecção. E enjoo só de pensar que a cidadania patriótica vai dar pretexto e fornecer representação àquelas patéticas criaturas do jet-seis nacional para se vestirem com as cores da bandeira e jurarem o seu desvelo pela Selecção-pátria.

Tal como aprendi as ver as coisas, o patriotismo não é arvorar bandeirinhas nacionais às janelas quando do Europeu ou do Mundial. O patriotismo, para mim, é pagar impostos, ser útil à comunidade de alguma forma, servir o seu país, quando se tem ocasião para tal e sem esperar nada em troca. E os heróis nacionais não são os jogadores da Selecção, que nasceram com o talento para jogar futebol e, por isso, têm a honra e o privilégio (aliás, excelentemente pago, directa e indirectamente, atravésda publicidade e direitos de imagem), de representar Portugal num Mundial. Mais depressa vejo como heróis os amadores que se preparam anos a fio e às vezes a expensas suas, longe das multidões e do vedetismo, para representar Portugal nos Jogos Olímpicos. E perdoem-me a blasfémia mas, enquanto português, tenho infinitamente mais orgulho na Maria João Pires que no Cristiano Ronaldo e no António Damásio que no Luís Figo. Cada um é livre de definir a sua noção de pátria e de heróis nacionais. E esta é a minha.

2- 0 Verão das Selecções começou, entretanto, com a desfeita dos sub-21. Aqui para nós, tudo visto friamente, e apesar da brilhante campanha de qualificação, não creio que se possa falar de desilusão. Pelo que vi dos sub-21, pareceu-me que a equipa é apenas razoável e notoriamente mais fraca que a francesa e a servia, que nos derrotaram sem espinhas. Para além do mais, pareceu-me que só havia uma e uma única estratégia para tentar marcar golos e ganhar jogos: cruzamento de trivela do Quaresma e cabeceamento do Hugo Almeida. Isso tornou-se-me particularmente evidente quando o seleccionador Agostinho Oliveira quis explicar o fiasco com o sub-rendimento de Quaresma. Além de injusta, a observação não é verdadeira: se, contra a França, Quaresma acusou cansaço e esteve abaixo do normal, já contra a Sérvia-Montenegro fez três cruzamentos para golo, todos desperdiçados, e os dois remates mais perigosos da Selecção portuguesa, e contra a Alemanha foi dos mais esforçados em campo. Agora, um treinador que faz depender os bons resultados de golpes de génio de um ou dois jogadores é porque não sabe, por si, acrescentar valor à equipa.

3- Enquanto os sub-21 se despediam do Europeu em Guimarães, a Selecção principal começava a mostrar o resultado da sua preparação em Évora. Não deixa de causar alguma perplexidade constatar que, enquanto os nossos adversários de grupo na Alemanha escolheram jogos de preparação de grau elevado de dificuldade (Irão contra a Croácia, Angola contra a Argentina e México contra a França), Portugal optou por dois jogos de preparação contra duas selecções inexistentes no ranking das 100 mais: Cabo Verde e Luxemburgo. Mas, depois de ter visto o tiro de partida contra a selecção, a bem dizer inventada, de Cabo Verde, a escolha de Scolari revela-se bem prudente. Pergunto-me se, com o estado de preparação revelado (excepção feita a Pauleta), os nossos mundialistas teriam feito melhor que os sub-21 contra os sub-21 da França e da Sérvia... Assim, jogando contra selecções que garantem pouco dispêndio de energias e vitória garantida, pelo menos o moral das tropas mantém-se em alta e sempre se acrescentam mais duas vitórias ao currículo de Luiz Felipe Scolari. Depois, na Alemanha, se verá se a estratégia também foi tão boa como a escolha.

4- Vendo o jogo de Évora, outra coisa que me fez alguma espécie foi a própria decisão de realizar o jogo e o estágio da Selecção em Évora. Não tenho objecção alguma, antes pelo contrário, acho louvável que, sempre que possível, se leve a Selecção a estagiar e a jogar no interior, em especial no Alentejo, onde é tão raro ver futebol de primeira. Mas estamos nos finais de Maio, princípios de Junho, onde em Évora são frequentes temperaturas como a de sábado, de 35 graus à sombra. Isso não terá consequências negativas de ordem física na preparação da equipa? Os franceses, por exemplo, começaram por estagiar no frio dos Alpes, em altitude, enquanto nós escolhemos o inferno da planície alentejana - teremos sido nós que acertámos, apesar de se saber que na Alemanha não iremos encontrar temperaturas daquelas? Não sei, só sei que, no final do jogo contra Cabo Verde, os jogadores se confessaram muito cansados e o próprio treinador adjunto dormia, no banco ao lado de Scolari, vencido pelo calor (ou seria pela falta de calor do jogo?).

Mas a escolha de Évora para local de estágio também me levanta outra questão, esta do ponto de vista do contribuinte: com tantos locais disponíveis - Óbidos, Vale do Lobo (onde es--teve a selecção inglesa), qualquer local do Algarve próximo do inútil Estádio do Algarve, Coimbra e numerosos outros locais prontos e disponíveis pelo País fora, incluindo os centros de treino de Sporting, FC Porto e Benfica - havia necessidade de ir para um sítio onde foi preciso construir um miniestádio de raiz? Sim, eu sei que aparentemente o novo Estádio de Évora foi financiado por particulares. Mas o que veio a público é que não se tratou de um gesto de beneméritos, antes de uma troca de oportunidades negociais: eles construíram o estádio e em troca vão poder urbanizar dentro da zona histórica de Évora, à revelia do respectivo PDM. Espero bem que isso não se confirme, porque seria um péssimo princípio que a presença da Selecção de Portugal fosse causa e pretexto de decisões desse tipo contra o interesse público.

5-Volto a reparar que Cristiano Ronaldo tem às vezes ataques de vedetismo que já ia sendo altura de ultrapassar. Aquele pontapé no adversário ter-lhe-ia valido um castigo sério em Inglaterra e poderia ter-lhe valido, sem a condescendência do árbitro, a ausência no primeiro jogo do Mundial. Scolari fez bem em tirá-lo de imediato mas agora terá de lhe explicar que o talento para jogar futebol e o estatuto de vedeta não dispensam algumas obrigações de outro género. Em especial quando se representa o País.

Co Adriaanse: balanço de uma época ( 23 Maio 2006)


Por mim não posso fazer outro balanço que não este: aprecio as qualidades e a atitude que Adriaanse trouxe ao FC Porto e ao nosso futebolzinho mas não estou convencido ainda de que ele seja um ganhador.


1- TINHA prometido que faria o meu balanço pessoal sobre o desempenho do treinador do FC Porto assim que a época terminasse e não antes. A espera valeu-me as piadinhas do costume, de gente que queria por força que eu dissesse que me tinha enganado nas críticas que lhe havia feito, à vista dos resultados. Entretanto, fui também assistindo a extraordinárias conversões de outros que o tinham criticado desde o início e subitamente lhe passaram a render desveladas homenagens, logo após a vitória em Alvalade. Ora, a vitória em Alvalade teve, de facto, o condão de decidir o campeonato e a época a favor do FC Porto. A vitória foi merecida e segura mas, até 15 minutos do final, tudo continuava em aberto e, se o Sporting tem feito um golo, Co Adriaanse tinha o campeonato e a época perdidos. Assim como, se Ricardo tem defendido um só dos penalties do desempate da Taça, ou se Baía não tem feito aquela fabulosa defesa no primeiro penalty do Sporting, não teria havido Taça de Portugal. E aí, sem campeonato nem Taça, a juntar à mais desastrada campanha europeia dos últimos 20 anos, não haveria quem mexesse um dedo para defender o treinador do FC Porto. Por isso mesmo é que um balanço deve ser uma observação que resulta de tudo ponderado e não apenas de um ou dois momentos decisivos.

Pessoalmente a minha opinião sobre o desempenho de Co Adriaanse passou por três fases distintas, afinal tantas quantas as fases pelas quais passou a própria equipa. Logo de início (e estão aí os registos de A BOLA para o provar) eu fiquei entusiasmado com as suas características e o seu futebol, loucamente atacante, espectacular, de constante carrossel, que foi o do princípio da época. Perguntei-me apenas, aqui, se os jogadores conseguiriam aguentar toda a época aquele jogo de vaivém constante, sem quebras nem aquilo a que José Mou-rinho chama o "descanso activo" com bola. Para além desse fute-bol-espectáculo dos primeiros jogos, houve, desde logo, outras coisas em Adriaanse que admirei e cuja admiração se mantém intocável: a disciplina fora e dentro do campo, o fairplay como regra de jogo, a total ausência de lamúrias em relação à arbitragem (a principal característica dos nossos treinadores) e a consciência de que o futebol é, acima de tudo, um espectáculo que tem de trazer pessoas aos estádios. Em tudo isso, realmente, o discurso de Adriaanse foi radicalmente diferente daquilo a que estamos habituados.

Mas depois começaram os jogos a sério e vieram as traumáticas derrotas em Glasgow e no Porto, contra o Artmedia. Podia-se falar de falta de sorte e houve, de facto, muito azar nesses dois jogos. Mas havia outras coisas mais, que se iam tornando evidentes: que Adriaanse estudava mal ou nada os adversários, que insistia em fazer sempre o mesmo tipo de jogo, fosse contra quem fosse; que não havia jogadas de bola parada ensaiadas (o FC Porto foi a equipa que menos golos marcou assim em todo o campeonato); que o tal futebol de ataque não era planeado mas apenas voluntarista; que as substituições a partir do banco raramente produziam efeitos; e que, sobretudo, ele revelava uma preocupante incapacidade para jogar também para o resultado, como se viu exuberantemente contra o Artmedia.

Mas o mais preocupante de tudo foi o tempo que ele demorou até perceber quem eram os jogadores de primeira linha, os imprescindíveis, e os restantes. Ontem, na extensa e muito bem conduzida entrevista que deu a O Jogo, Co Adriaanse explica várias das suas opções - e com a maior parte delas eu concordo - mas não explica o tempo que demorou até chegar às escolhas certas e os danos que essa demora causou à equipa. E, para além da demora, houve também a brutalidade, insensibilidade, com que ele afastava jogadores sem uma palavra, às vezes até aqueles em quem tinha apostado cegamente. Estou inteiramente de acordo em que o Diego não tem lugar no FCPorto e duvido que tenha em qualquer equipa europeia de top, com aquele seu futebol de voltinhas e mais voltinhas e a sua total inépcia a rematar à baliza. Estou inteiramente de acordo que o Postiga não serve para número 10 e que, como número 9,não conseguiu sequer marcar 10 golos em três épocas consecutivas nos campeonatos português, inglês e francês: só não entendo é como é que o treinador demorou tanto tempo a perceber as características de um e de outro. Estou de acordo que o Jorge Costa já não tem velocidade para um tipo de jogo ofensivo que proporciona contra-ataques velozes ao adversário mas penso que continuaria utilíssimo para outros jogos, como na Liga dos Campeões, e que, sobretudo, não merecia nunca ser excluído de todos os jogos e todas as convocatórias.

Até concordo que o Helton já é, talvez, melhor guarda-redes que o Baía (embora ainda não lhe chegue aos calcanhares no jogo aéreo, onde não há ninguém em Portugal que se lhe compare) mas não posso aceitar que ele descarte o Baía, como ferro-velho, ao primeiro deslize: não é assim que se conduzem homens. De morou uma eternidade a perceber cue o melhor central do FC Porto era de longe, o Pepe, e que, para jogar ao lado dele, a escolha natural era o Pedro Emanuel (a derrota contra o Benfica, no Dragão, por exemplo, deveu-se à escolha errada dos centrais). E te-nos enfim o caso do Quaresma, le que reza a lenda que foi recuperado e reconvertido graças aos conselhos e ensinamentos de Adriaanse. Não é, simplesmente, verdade. Ele foi arrumado por Adriaanse porque usava brinco, mudava de penteado todas as semanas e, com o seu génio e capacidade de improvisação, lhe estragava o esquema de jogo. Não foi Quaresma quem acabou por perceber Adriaanse, foi Adriaanse que se viu forçado a perceber Quaresma e a falta que ele lhe fazia na equipa: percebeu-o quando, tendo-o feito entrar em dois jogos sucessivos a 10 minutos do fim, o Quaresma lhe resolveu das duas vezes os jogos, que estavam empatados. Em contrapartida, a aposta até ao desespero no Jor-ginho, a falta de confiança no Ib-son, a falta de coragem em arriscar mais vezes o Anderson, tiveram mais que ver com teimosia que com lógica.

E veio assim a segunda fase, em que os lenços brancos, desafiados pelo próprio, começaram a esvoaçar no Dragão. Escrevi aqui na altura que o meu continuava no bolso mas ia sendo tempo de Co Adriaanse se deixar de teorias e obstinações e começar a jogar natural e provar que era capaz de vencer jogos decisivos. E veio, enfim, a derrota na Amadora, que foi o turning point de Adriaanse. Aí ele percebeu que tinha de mudar qualquer coisa e optou - com coragem, reconheço - pela fuga em frente, passando a jogar em 3x3x4. Paradoxalmente, porém, produziu-se o efeito inverso do que ele esperava e que seria normal: a equipa começou a marcar menos golos mas a sofrer também muitos menos. E, se esse acabou por ser o sistema que lhe deu o campeonato e a Taça, é mais que justo reconhecer que isso se deve, em primeira linha a um só jogador: o Pepe, que varreu a defesa, por dois ou três. E, em segunda linha, a outros dois: o Paulo Assunção, o mais inteligente jogador da equipa, e o Ricardo Quaresma, cujas jogadas abriram caminho aos raros golos que a equipa foi obtendo.

A conclusão final que tiro de tantas andanças e tantas mudanças pode ser sintetizada na frase feliz de Santos Neves, aqui, nestas páginas: "Co Adriaanse errou, errou, errou... até acertar em cheio!" A curiosidade agora está em saber se, jogando só com três defesas e com um ataque que não parece ser capaz de encontrar processos simples de chegar ao golo, ele terá alguma esperança numa campanha europeia ao menos razoável - isto é, até aos oi-tavos-finais da Champions. Porque, na época que acaba de terminar - e em que, na opinião geral, ele dispunha do melhor plantei a jogar em Portugal -, ganhou o campeonato e a Taça por uma unha negra e foi um desastre na Europa. Estará o copo meio-cheio ou meio-vazio? Por mim não posso fazer outro balanço que não este: aprecio as qualidades e a atitude que Adriaanse trouxe ao FC Porto e ao nosso futebolzinho mas não estou convencido ainda de que ele seja um ganhador. "Quod est demonstrandum."

O clube de amigos de Scolari ( 16 Maio 2006)


Sorte a de jogadores como Pele, Maradona, Owen, Ronaldo, em não terem tido um Scolari como seleccionador. Isso permitiu-lhes a todos estar no Mundial com idades na casa dos 20 anos e permitiu-nos a nós, que gostamos dos grandes jogadores, termos podido vê-los em acção mais cedo.

1- UM aviso prévio: o que vou escrever não envolve qualquer falta de consideração pessoal ou profissional para com Luiz Felipe Scolari. Pessoalmente, não tenho razão alguma para o desconsiderar, nem é meu hábito confundir as coisas, e, profissionalmente, não ponho em dúvida, nem a brincar, que os seus conhecimentos futebolísticos ultrapassam largamente os meus, como é óbvio. As minhas críticas ao seleccionador nacional têm que ver, exclusivamente, com o seu comportamento enquanto líder de um grupo e de uma equipa que tem por missão primeira representar um país inteiro - e não parte dele.

Sejamos francos: de há muito que todos sabíamos ou suspeitávamos que Scolari iria deixar Ricardo Quaresma fora do Mundial. Eu, pessoalmente, escrevi-o logo em Novembro ou Dezembro, quando ouvi o seleccionador dizer que, dos 23 para a Alemanha, 20 já estavam definidos na sua cabeça. E, não tive dúvidas de que Quaresma não era um deles, fizesse a época que fizesse. Porque a sua exclusão está inteiramente conforme com aquilo a que alguns chamam a coerência do seleccionador, e a que outros poderiam chamar a teimosia: a diferença entre uma e outra coisa não é questão de facto, mas de opinião. Desde aí, calei-me, porque também sabia que a necessidade doentia de afirmação de autoridade por parte de Scolari faz com que, quanto mais um jogador é desejado por todos, mais hipóteses há de ele o afastar. E, se eu desejava ver Quaresma no Mundial não é por ele ser jogador do FC Porto (também lá desejava ver o Tonel e o Manuel Fernandes...), nem sequer principalmente, por achar que, com ele, a Selecção ficaria mais forte. A razão principal que me levou a calar-me desde então, como contributo para não prejudicar as hipóteses de convocatória de Ricardo Quaresma, é esta: porque ele é um fora-de-série, fez uma época em que foi unanimemente reconhecido como o melhor jogador do campeonato e merecia, sem sombra de dúvida, estar na Alemanha. Infelizmente, teve o grande azar de apanhar contra si um seleccionador como Scolari, para quem a justiça e o mérito são o menor dos critérios de escolha, e por isso vai ter de esperar pelo menos quatro anos para poder cumprir esse sonho. Sorte a de jogadores como Pele, Maradona, Owen, Ronaldo, em não terem tido um Scolari como seleccionador: isso permitiu-lhes a todos estar o Mundial com idades na casa dos 20 anos ou menos e permitiu-nos a nós, que gostamos dos grandes jogadores, termos podido vê-los mais cedo.

Se Scolari não leva Ricardo Quaresma à Alemanha - assim como Manuel Fernandes ou João Moutinho - é por uma razão simples: porque é intelectualmente preguiçoso. Detesta novidades, detesta ser confrontado com desafios novos, detesta ter de alterar os seus esquemas já pensados e definidos. Definiu a sua Selecção quando cá chegou, há quatro anos, e, desde então, apenas a alterou pontualmente quando foram os próprios jogadores a abandonar. A sua convocatória de ontem é de uma previsibilidade e monotonia confrangedoras. Não apenas não existe uma só novidade, como ainda ele repete todos os que têm lugar cativo - incluindo suplentes nos respectivos clubes, jogadores cuja forma desconhece e que não vê jogar há meses e até quem esteja parado há longo tempo. Quando se tem a sorte de ser escolhido por Scolari, só há uma forma de deixar a Selecção: é pendurar as botas.

Eu compreendo, decerto, que um treinador prefira lançar mão de quem conhece bem e com quem forma um grupo homogéneo. Mas nenhuma equipa ganhadora se pode limitar a essa escolha, sob pena de não admitir renovação com novos talentos, em benefício de uma coisa que mais se assemelha a um grupo de amigos ou de família do treinador. Quando anunciou, com seis meses de antecedência, que já sabia quem eram 20 dos 23 que iriam à Alemanha, Scolari passou uma dupla mensagem, claríssima: tanto fazia que aparecessem novos valores no mercado, porque ele não os iria buscar; e tanto fazia igualmente que os escolhidos estivessem em baixo de forma ou mesmo sem jogar, porque eles teriam sempre lugar cativo na sua equipe. Uma equipa assim não é uma equipa dos melhores, mas dos fiéis, e uma Selecção assim não é a Selecção de todos nós, mas a dos amigos do seleccionador.

Claro, que os defensores de Scolari (alguns dos quais, não disfarçando, por exemplo, a sua ânsia em despedir Ronald Koeman do Benfica, já consideram um crime de lesa-majestade criticar o seleccionador), podem sempre argumentar que ele tem resultados que falam por si. É a velha história do copo meio cheio ou meio vazio. Pode-se dizer que Scolari é o homem que nos levou ao título de vice-campeões europeus e que nos colocou tranquilamente numa fase final do Mundial - é uma conclusão possível. A outra é achar que ele é um dos dois personagens do futebol português com mais sorte (o outro é o seu protegido Ricardo, que é capaz de ser o guarda-redes que mais cruzamentos falha e menos golos sofre). Nesta outra maneira possível de fazer o balanço, Scolari teve a sorte de não ter de disputar a qualificação para o Europeu e, em vez disso, poder passar dois anos a jogar a feijões, perdendo todos os jogos com Selecções qualificadas e acumulando exibições e resultados catastróficos; perdeu o primeiro jogo do Europeu contra a Grécia e só então, à beira do abismo, deu a mão à palmatória e pôs a jogar a defesa e o meio-campo do FC Porto, que tinham acabado de ser campeões da Europa e que só ele não achava que devessem ser titulares (lembrem-se que, em 2004, Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira,Maniche e Deco eram suplentes na equipe de Scolari!); a seguir teve a sorte (?) de, no jogo que tínhamos absolutamente de ganhar, contra a Rússia, o Ovchi-nikov ter sido mal expulso, deixando-nos a jogar contra dez mais de meia parte; teve a sorte dos penalties contra a Inglaterra e a sorte de apanhar uma Selecção tão fraca como a grega na final, mas, mesmo assim, não mostrou ter aprendido alguma coisa com a derrota no primeiro jogo e repetiu o resultado; e, logo depois de ter perdido um Europeu jogado em casa e com tudo a favor, teve a sorte de apanhar um grupo de qualificação para o Mundial em que era virtualmente impossível falhar o apuramento; e, para fechar em beleza, vamos ter agora um grupo na Alemanha com uma Selecção acessível, como o México, e duas incipientes, como o Irão e Angola, formada à base de jogadores das 2ª e 3ªs divisões portuguesas.

Mais uma vez, também aqui, no apuramento do curriculum de Luiz Felipe Scolari à frente da Selecção portuguesa, trata-se de uma questão mais de opinião do que de facto. O mesmo não se passa com o futebol de Ricardo Quaresma, onde os factos e as opiniões coincidem. Há uma só pessoa em Portugal inteiro que acha que Quaresma não deve ter lugar no Mundial. Infelizmente, para ele e para nós, essa pessoa é o seleccionador nacional. Vai ter provar que tem razão e não valem desculpas, como a de nos querer desde já convencer de que estamos em "sérias dificuldades" para conseguir o apuramento no nosso grupo do Mundial.

2- Hélio, o treinador do Vitória de Setúbal, estava com um ar desconsolado no final da Taça, enquanto que Co Adriaanse estava com um ar exuberante. Nem um nem outro tinham razão para esse estado de espírito. Quanto ao treinador se-tubalense, não basta um remate feliz à trave para justificar moralmente outro resultado que não a derrota, quando não se mostrou pinga de coragem e de vontade de lutar por outra coisa. E, quanto ao treinador portista, não basta mais uma magra vitória por 1-0 e uma renovada demonstração de alergia ao golo para falar em futebol de ataque e celebrar uma vitória banal e quase obrigatória como se fosse uma grande conquista.

Lágrimas e suspeitas ( 09 Maio 2006)


Tudo visto e contas feitas, penso que a eterna questão da justiça saiu resolvida neste Campeonato, quer em cima quer em baixo, com toda a naturalidade e toda a lógica; se não se importam, foi o campeão de facto e de direito.

O Campeonato terminou com vários vencedores: o Sporting foi "campeão da injustiça", como o e sempre que nao consegue ser campeão em campo; o Benfica foi "campeão da credibilidade", nas palavras do seu presidente; mas o FC Porto, se não se importam, foi o campeão de facto e de direito.

Por ter escrito aqui há semanas que o FC Porto tinha sido um campeão natural e de mérito incontestável para quem esteja de boa-fé, que, até sagrar-se campeão, nada, nenhum ponto, ficou a dever a favores de arbitragem, tive de arrostar com uma catilinária de ofensas pessoais - umas públicas, outras privadas -, todas carregadas de ressentimento, de inveja, de imbecilidade. Houve até um anormal que me citou com uma frase que nunca disse, onde me teria considerado "filho dilecto da nação". Sei que haverá sempre gente desta, mas, apesar de tudo, não deixa de fazer impressão esta facilidade que o futebol tem de despertar o que há de pior em cada um.

Anteontem, fazendo o rescaldo do Campeonato, Paulo Bento - tal como já o havia feito após o decisivo Sporting-FC Porto - voltou a demonstrar que é possível, porém, ter uma atitude diferente. Disse ele que "no final dos Campeonatos, as equipas ficam sempre no lugar que merecem" e que, quanto ao Sporting, "faltou um pouco mais de capacidade para chegar ao título". É o que todos viram, o que todos, friamente, pensam. Todos, não: quase todos. Sá Pinto, por exemplo, enquanto está a ponderar se afinal abandona ou não o futebol, certamente frustrado por esta sua saída pela porta baixa, com duas expulsões consecutivas, declarou à saída do Estádio de Alvalade que, em sua opinião, o "Sporting merecia ter ido mais além, mas não nos deixaram". Já por diversas vezes aqui elogiei o Sá Pinto - no ano passado, por exemplo, cheguei a escrever que, só por ele e pelo Liedson, o Sporting merecia ser campeão. Estou por isso à vontade para agora dizer que acho estas suas declarações inadmissíveis, sobretudo em alguém como ele, que, por nascimento, por educação e por experiência acumulada, tem obrigação de não ser como aqueles jogadores que dizem a primeira patacoada que lhes vem à cabeça. Ricardo Sá Pinto tem,evidentemente, todo o direito de achar que o Sporting merecia ter sido campeão este ano - é uma opinião largamente minoritária, mas legítima. Agora, o que não tem o direito é de vir com as estafadas insinuações sobre a legitimidade dos títulos conquistades pelos outros. No caso concreto, essas insinuações, saídas pela boca fora sem critério, não apenas ofendem a verdade e a honestidade intelectual, como também o ofendem os seus colegas de profissão do FC Porto que, em Alvalade e ao longo de toda a época, demonstraram porque mereciam ser campeões e estar ao abrigo de insinuações como esta.

O mesmo se pode dizer do segundo lugar obtido pelo Sporting a expensas do Benfica: ninguém de boa-fé pode contestar a sua justiça. E, desgraçadamente para Ronald Koeman, a sua insinuação de que jogadores do Rio Ave teriam facilitado a vitória do Sporting na penúltima jornada caíram pela base com o impensável "frango" do Ricardo nesse jogo, a que se veio somar o também impensável "frango" do Moreto em Paços de Ferreira e a exibição lamentável da equipa. Na última jornada, o Benfica não só fez questão de mostrar a justiça de não ter chegado ao segundo lugar, como ainda acabou por ser indirectamente decisivo para a des-promoção do vizinho lisboeta Belenenses. Ironias do futebol!

Lá em baixo, como era de prever, foi um drama até ao fim. Também José Couceiro entrou pelo campo das suspeitas como explicação para o desastre. E, se é verdade que anteontem o Belenenses se pode queixar de um penalty inexistente em Coimbra, que salvou a Académica e o condenou a ele, é verdade também que em Barcelos não conseguiu sequer o empate que o teria salvo. No último terço do Campeonato, enquanto equipas que pareciam condenadas, como o Gil Vicente, o Paços de Ferreira e a Naval, fizeram tudo para sobreviver, outras, como o Vitória de Guimarães e o Belenenses, nunca mostraram capacidade para evitar a queda no abismo. E se no caso do Guimarães setratava de uma morte há muito anunciada pela falta de categoria consistentemente demonstrada, no caso do Belenenses, foi uma morte imprevista, deslizante, cuja iminência a equipa só pareceu ver quando já era tarde para reagir.

Pelo que, tudo visto e contas feitas - afinal, como o devem ser -, penso que a eterna questão da justiça saiu resolvida, quer em cima quer em baixo, com toda a naturalidade e toda a lógica. Agora, o que há é corredores de fundo e estafetas, profissionais um ano inteiro e outros de breves aparições. Há jogadores que fazem um bom jogo e logo desatam a falar de alto, imaginando-se já a caminho do Real Madrid ou da Juventus. Há equipas que arrancam bem o Campeonato, sacam duas ou três vitórias de entrada, e logo anunciam que "este ano, só factores estranhos é que nos poderão impedir de atingir os nossos objectivos". E há, inevitavelmente, treinadores e dirigentes que ao primeiro erro de arbitragem de que se acham vítimas, logo saem em campanha contra o "sistema" e, no domingo seguinte, quando lhes calha serem beneficiados, calam-se muito caladinhos, a ver se ninguém dá pela coisa. Mas, enfim, lá nos vamos habituando, ano após ano. São características nossas, já não há nada a fazer.

Mais útil seria, em minha opinião, reflectir no facto de este Campeonato ter sido muito mal jogado, com escassos jogos de verdadeiro nível europeu - e depois do ano passado, que foi dos Campeonatos com pior nível futebolístico de que me lembro. No essencial, o que vimos foi equipas à defesa permanentemente, muito poucos golos marcados e grande parte deles só de bola parada, jogo faltoso e rasteiro, protestos constantes com as arbitragens, públicos sem sombra de isenção ou de exigência para com a própria equipa e depois a habitual feira de vaidades dos dirigentes, prolongando os jogos ao longo de toda a semana com as suas declarações, sempre importantíssimas e profundas. Agora, entramos nos outros dois Campeonatos, que tantas paixões e prosas convocam: o das transferências e o da luta pelo poder na Liga de clubes. Este último, aliás, já está lançado, com a primeira candidatura na mesa: a de Rui Alves, o presidente do Nacional. Para acabar de vez com qualquer tentativa de levar o nosso futebol a sério.

Para além da espuma das coisas ( 02 Maio 2006)


Feito o balanço, o mais grave do "Apito Dourado" é a demonstração do total falhanço de uma justiça inepta e irresponsável, que actua para os jornais e não para os tribunais.

1- Imagine, leitor, o seguinte cenário: uma empresa constitui-se tendo como grande objectivo concorrer a um concurso internacional de prestígio mundial - chamemos-lhe a Empresa. O capital necessário é reunido por subscrição pública, entre pessoas com muito, com algum ou com pouco dinheiro, que acreditam no projecto - chamemos-lhes os Accionistas. Para o liderar, a Empresa contrata um dos profissionais com mais nome no mercado internacional, a quem se dispõe a pagar um ordenado milionário - chamemos-lhe o Profissional. O Profissional reúne então uma equipa de quadros altamente qualificados - chamemos-lhe a Equipa - e, durante dois anos, eles preparam-se, com todas as condições, todas as mordomias e todo o crédito, para a tarefa que a Empresa e os Accionistas lhes confiaram- chamemos-lhe o Evento. E, então, dois meses antes do evento, o Profissional aceita reunir-se em segredo com uma empresa concorrente daquela que lhe paga, com o propósito de contratar os seus serviços após o Evento. Ou seja, quando toda a gente, a começar pela Empresa que passou dois anos a pagar-lhe um ordenado de luxo, o imagina apenas concentrado no objectivo definido e a mobilizar a sua Equipa para tal, ele está a negociar um novo contrato, acautelando o futuro.

Agora, leitor, ponha os nomes às coisas: onde está Empresa, leia Federação Portuguesa de Futebol; onde está Accionistas, leia pagadores de impostos; onde está Evento, leia Mundial de Futebol; onde está Equipa, leia Selecção Nacional; e onde está Profissional, leia Luiz Filipe Scolari. Foi isso que aconteceu: o nosso Seleccionador Nacional, o mesmo que em devida altura vai fazer um apelo
ao patriotismo dos portugueses e às bandeiras desfraldadas nas varandas e nos carros, aceitou reunir-se, dois meses antes do Mundial, com representantes da Federação de Futebol Inglesa para discutir as possibilidades de trocar de bandeira, logo após o Mundial.

Sim, eu sei: vão-me dizer que ele é um profissional e que o futebol é assim, nos tempos que correm. Mas, então, por favor, não me venham com patriotismos, e "a Selecção de todos nós", e o "treinador de todos nós" e outras bugigangas que tal. Eu pago, eles que joguem, e ponto final.

Parece, também, que o "nosso" seleccionador não ficou muito entusiasmado com o convite da Federação Inglesa: o ordenado não era assim tão superior ao que lhe pagamos, o clima é pior, a segurança não é comparável, a família gosta mais de Lisboa e a imprensa aqui é bem mais simpática e compreensiva. Acho uma escolha muito legítima e sábia. Mas, por favor, não a venham depois apresentar como amor a Portugal ou "compromisso de cavalheiros". As coisas são o que são.

2-Na semana em que rebentou o "Apito Dourado" (já lá vão mais de dois anos), por entre o entusiasmo geral de quem achava que o futebol português e os seus subterrâneos iriam levar um abanão de alto a baixo, eu atrevi-me a escrever no "Público" um artigo intitulado "Apito Encravado". Nele previ que, apesar de todo aquele espa-lhafato e show off justiceiro, a montanha acabaria por parir um rato - já que o único resultado que interessaria a dois terços do país opinante era a captura de Pinto da Costa, e essa, logo ali dava para perceber que não tinha o menor sustentáculo para ir avante. É verdade que, com o "Apito Dourado", a juíza de instrução de Gondomar inaugurou uma figura nova no direito processual português: em vez da prisão após interrogatório do suspeito, passou a ver-se a prisão prévia para interrogatório. Mas, ao contrário de todos os outros envolvidos, Valentim Loureiro incluído, Pinto da Costa, que se encontrava ausente no estrangeiro, muito legítima e inteligentemente, frustrou os desejos da populaça e apresentou-se apenas quando tinha a certeza de que iria ser ouvido, assim evitando passar dois dias de cárcere público à espera que a Meritíssima o pudesse interrogar. Esse foi o primeiro tiro de pólvora seca do "Apito Dourado". O segundo, foi a dificuldade dos acusadores conseguirem demonstrar que o "JP" das escutas telefónicas ( que reclamava umas "meninas" para o distraírem") era mesmo o Jacinto Paixão, árbitro nomeado para o FC Porto-Estrela da Amadora de 2004. O terceiro, foi a dificuldade de os acusadores tornarem verosímil aquilo que em direito penal se chama o "nexo de causalidade": mesmo que "JP" fosse Jacinto Paixão, e que o presidente do FC Porto tivesse acedido ao seu pedido de umas "meninas", como se conseguiria convencer alguém de que a contrapartida disso teria sido uma arbitragem favorável do "JP", num jogo em que a então equipa de José Mourinho - praticamente já com o título na mão e a dois meses de se sagrar campeã da Europa - tinha necessidade de corromper o árbitro para vencer um jogo em casa contra o último da classificação?

Eu escrevi isto há dois anos: o único objectivo mediático do "Apito Dourado" era conseguir encravar Pinto da Costa. Mas, os "factos" que existiam para tal eram simplesmente patéticos e ridículos. Porém, a pressão da "inteligência" lisboeta era muita e o processo prosseguiu. Durante dois anos, esbanjou-se alegremente o dinheiro dos contribuintes a tentar transformar num caso judicial aquilo que não passava de um processo de intenções. Mobilizaram-se funcionários, investigadores, oficiais de diligências, chamaram-se "peritos" ex-árbitros para eles declararem (num caso até ao contrário do que ele havia escrito na altura) que um dos golos do FC Porto nesse jogo tinha sido em "off-side", e, no final, já com todos os prazos de instrução ultrapassados, juntou-se uma task-force do Ministério Público, para conseguir deduzir alguma acusação. E, finalmente, quando alguma coisa precisava de ser apresentada, mandaram-se extrair certidões para outras comarcas, para que outros continuassem a perseguir a lebre que eles julgavam ter levantado mas que não tinham conseguido caçar. E, quando chegou ao tribunal do Porto a certidão para continuar a investigar Pinto da Costa, o delegado do Ministério Público de lá arrumou com a investigação em duas penadas, fazendo a pergunta fatal: alguém me consegue explicar a necessidade do FC Porto subornar o árbitro daquele jogo contra o Estrela da Amadora?

Assim morreu, para todos os efeitos úteis, o "Apito Dourado". À boleia do cadáver, ressuscitou também o major Valentim Loureiro, aliado conjuntural do presidente do Benfica na gestão do "sistema". Todavia, há aqui uma diferença: para quem leu os extractos das conversas telefónicas entre o major e o presidente do Gondomar, o mínimo de bom-senso exigiria que ele ficasse calado e muito bem caladinho e que apresentasse, já ontem, a sua demissão da presidência da Liga de Clubes.

Feito o balanço, o mais grave do "Apito Dourado" não é a montanha que pariu o rato, nem o dinheiro inutilmente gasto a investigar pechisbeque, nem sequer - por mais grave que tenha sido -mais uma cena eloquente de falta de respeito pelos direitos dos arguidos em processo penal. O mais grave de tudo é a demonstração do total falhanço de uma justiça inepta e irresponsável, que actua para os jornais e não para os tribunais. Se houvesse vergonha, que não há, o "Apito Dourado", deveria, de facto, fazer rorolar cabeças. Outras.

Quanto àqueles que, durante estes dois anos, tantas esperanças puseram no "golpe de secretaria", deixo-lhes um conselho para o futuro: aprendam a destrinçar o espalhafato do facto, aprendam a ler os sinais para além da espuma das coisas.

3- Esta semana o Sporting está de parabéns: venceu em Vila do Conde, ficando a um empate da entrada directa na Liga dos Campeões - o que, prestígio e estatística passageiros à parte, vale hoje o mesmo do que ser campeão. E, de caminho, derrotou e por números eloquentes, a demagogia interna.

Diga vinte e um ( 25 Abril 2006)




1- Aqui há umas duas décadas, faltavam ao FC Porto cerca de vinte títulos de campeão para atingir a marca do Benfica, e uns dez para atingir a do Sporting. Com este 21º título, o FC Porto já leva três de avanço sobre o Sporting e já só está a dez do Benfica— já faltou muito mais! Este foi, porém, de todos os títulos de que me lembro, aquele que menos entusiasmo me causou. Primeiro, porque era esperado, quase obrigatório, face à imensa diferença de qualidade em quantidade entre a equipa portista e os rivais directos; depois, porque à semelhança da época passada, foi um campeonato mal jogado, em que o FC Porto foi apenas o menos mau de todos e o mais sólido na hora da verdade. Onze vitórias por 1-0, entre as 23 arrecadadas até aqui, dizem muito sobre a forma como o FC Porto chegou a este título: foi superior, mas apenas quanto baste e nada ou quase nada nos jogos com os rivais directos—um empate, uma vitória e duas derrotas.


2- O jogo do parto do novo campeão foi um retrato fiel deste estranho FC Porto, no modelo de jogo que Co Adriaanse lhe impôs para o último terço do campeonato: muita posse de bola, grande caudal ofensivo, instalação permanente no meio campo adversário, uma paradoxal segurança defensiva e, depois, uma confrangedora incapacidade ou de criar oportunidades de golo, ou de as concretizar. Contra o último da tabela, o FC Porto criou, como lhe competia, umas cinco ou seis opurtunidades claras de golo, mas apenas lá chegou através de umpenalty—o segundo de todo o campeonato e talvez a única decisão favorável e determinante da arbitragem de que dispôs em toda a época. Chega a ser enervante ver jogar esta equipa que tanto prometeu na pré-época: não se percebe, de facto, o que falta para que os centros do Quaresma sejam aproveitados como merecem, para que o Mccarthy deixe de apontar às traves, o Hugo Almeida deixe de cabeçear todas as bolas para fora, alguém consiga acertar com um livre na baliza. Em teoria, aquilo está tudo certo — o sistema, o andamento, a atitude. Mas depois não funciona, excepto na defesa e muito por mérito desse extraordinário jogador que se está a afirmar como merece, chamado Pepe (obrigado, mais uma vez, José Mourinho!).

3- Já disse que uma das qualidades que eu reconheço sem dificuldade alguma a Co Adriaanse foi a de transformar uma equipa e uma mentalidade de jogo de quase-sarrafeiros, na equipa mais disciplinada e que mais «limpo» joga no futebol português. Esta semana Adriaanse voltou a revelar outra das suas qualidades, tal como aquela, habitualmente arredada do discurso dos treinadores e dirigentes do futebol português. Disse ele que em Portugal todos se preocupam demasiado com as arbitragens e muito pouco com o espectáculo. De vez em quando há alguém que diz o mesmo, mas Adriaanse tem a autoridade de nunca se lhe ter ouvido uma só queixa contra a arbitragem em todo o campeonato: haverá algum treinador da 1.ª Liga que possa dizer o mesmo? Último exemplo em data: o Sporting precisava de vencer em casa uma Naval aflita e desfalcadíssima: jogou apenas 15-20 minutos de ataque convincente e criou não mais de três ou quatro oportunidades, contra duas do adversário. Ao entrar-se na segunda parte, tornou-se evidente que a «táctica» — orquestrada das bancadas para o campo, como é habitual ali—passou a ser a de chegar ao golo através de penalty. Foram quatro ou cinco os reclamados, por tudo e por nada e com o apoio militante dos comentadores da Sport TV (também já um «clássico»). Contas feitas, porém, houve apenas um lance, que não há a certeza se fora ou dentro da área, e em que dois jogadores se agarram à vez, terminando com a queda do jogador do Sporting e que talvez, talvez, se possa considerar penalty. Mas foi um lance completamente fortuito, que não resultou de qualquer ataque perigoso ou de jogada que o justificasse. Foi quanto bastou para que, pela enésima vez, treinador e dirigentes sportinguistas lá viessem com a ladainha do costume de que só não ganharam por causa do árbitro e que há suspeitas de que alguém lhes quer tirar o segundo lugar para o dar ao Benfica. E, no final, lá estava o repórter da Sport TV a iniciar a entrevista a Paulo Bento, não com uma pergunta, mas com uma opinião: «O Sporting, que tem razões de queixa da arbitragem...». Porque não lhe perguntou antes se o Sporting só conseguia vencer a Naval em casa de penalty? E se ele achava que era um eventual ? penalty não assinalado que podia justificar uma exibição tão falhada? Mas é este tipo de jornalismo, que vive obcecantemente à procura do «caso» de arbitragem, preferindo acirrar a polémica permanente do que defender o espectáculo, que contribui decisivamente para o clima de desresponsabilização onde sempre encontram conforto e desculpa os fracos e os falhados.

4- Mudam-se os tempos, muda-se a classificação, mudam os suspeitos — quanto mais não seja, para dar folga ao «suspeito do costume». Luís Filipe Vieira, agora o alvo das suspeitas sportinguistas, fez saber, por seu lado (não é para valer, mas faz de conta...), que só se recandidata se avançar o processo «Apito Dourado» e se «houver uma limpeza no futebol português ». E esta atitude, como sempre, é apresentada como uma coisa muito digna e louvável, da parte do presidente do Benfica. Mas porque é que ninguém lhe lembra que o principal arguido no «Apito Dourado» é precisamente o homem que ele escolheu como parceiro estratégico para «limpar o futebol português»? E porque é que ninguém lhe lembra que a estrutura que precisa de ser «limpa» é precisamente aquela que ele montou, a meias com Valentim Loureiro, na Liga e nas suas comissões de Arbitragem e Disciplinar—e cuja conquista, recorde-se, ele afirmou ser essencial para que o Benfica pudesse voltar a ser campeão, como foi no ano passado e nas circunstâncias em que o foi? Melhor do que esta só mesmo o sr. Stanley Ho a recomendar aos jogadores que sejam prudentes nos seus casinos...

5- Previ aqui há tempos que o Vitória de Guimarães—um clube pelo qual sempre tive simpatia—desceria esta época. E desceria pela simples razão de que joga, talvez, o pior e mais ineficiente futebol que eu vi jogar neste campeonato. Mas depois dessa previsão, o Vitória começou a recuperar devagarinho e surgiu a hipótese da salvação no último jogo ou no último minuto. Mas não creio que venha a haver milagre: não acredito que o FC Porto ou Adriaanse se disponham a facilitar no domingo e, depois disso, já não haverá margem de salvação. Lamento dizê-lo, até porque os seus adeptos não mereciam de forma alguma tal sorte, mas a descida é merecida. Não vale a pena, aqui também, inventar cabalas e conspirações. Nem tudo o que parece não o é: e a mim parece-me que o Vitória nunca mostrou futebol para a 1.ª Liga.

Não ouve ( 18 Abril 2006)

Não houve crónica.

De longe vê-se melhor ( 11 Abril 2006)

De longe vê-se melhor

Uma coisa é pacífica:não há ninguém que possa atribuir um só ponto conquistado pelo FC Porto neste Campeonato à arbitragem. Duvido que algum outro clube se possa gabar do mesmo.

1- Parece ser sina minha nos últimos dois anos estar sempre longe quando o FC Porto joga encontros decisivos. No FC Porto-Benfica do ano passado, estava no Brasil e segui o jogo... por telemóvel, por não ter conseguido encontrá-lo em transmissão local. No FC Porto-Once Caldas, que atribuía o título mundial, estava a caçar perdizes na Serra de Mértola e, por opção própria, voltei a seguir o jogo por telemóvel, porque, por maior que seja a minha paixão pelo futebol e pelo FC Porto, jamais, em meu perfeito juízo, trocarei uma caçada às perdizes em Mértola por um jogo de futebol - mesmo que ele possa atribuir o título de campeão do mundo ao meu clube. Este ano, no FC Porto-Benfica de tão triste memória, felizmente estava outra vez a caçar perdizes, desta vez na região da Beira Baixa. E agora, calhou voltar a estar no Brasil, a quando do "jogo do título", entre Sporting e FC Porto.

Mas desta vez não me preocupei muito, porque, tendo desde há vários anos deixado de frequentar Alvalade - que considero o pior ambiente para poder viver um jogo de futebol, com um público doente de facciosismo como em lado algum - era pacífica a decisão de ver o jogo através da televisão e, de passagem pelo Rio de Janeiro, tanto me fazia ver lá como à distância de meia dúzia de quilómetros de Alvalade. Assegurei-me previamente de que o hotel tinha RTP-Internacional e mais tranquilo fiquei quando, chegado de véspera, liguei para o canal português e vi a promoção "não perca o Sporting-FC Porto de amanhã, aqui na RTP-Internacional".

À hora do jogo, ligo o canal RTP e... nada. Nem jogo, nem uma explicação. Pior: a promoção à transmissão continuava, embora o jogo já tivesse começado e a transmissão não. Percebi então que a transmissão seria em diferido, se bem que não dissessem a que horas, e de novo me vi forçado a ir seguindo as incidências do jogo por telemóvel, directamente para um amigo portista, que estava clandestino entre os cativos do Sporting e que, bastante assustado, me ia sussurrando informações. Entretanto, continuava ligado à RTP-I, na esperança de que, a qualquer momento, iniciassem a transmissão em diferido. Nesse entretanto, foi-me dado ver uma vez mais a linha editorial da RTP-I. E o que vi serviu para voltar a confirmar o que já sabia: aquilo envergonha Portugal. E agora,
que este artigo de A BOLA já poderá ser lido pelas nossas comunidades emigrantes dos Estados Unidos, eu queria deixar-lhes aqui esta mensagem: não acreditem no Portugal que a RTP-I leva até vós - esse Portugal já não existe há muito e felizmente. Esse Portugal provinciano, atrasado, bafiento e salazarento, dos campanários em pôr do Sol, os pescadores a saírem para a faina em "fade out" com florzinhas em primeiro plano, os programas humorísticos e musicais rascas como na televisão do Ramiro Valadão, as entrevistas subservientes feitas por serventuários do jornalismo a "líderes" da comunidade emigrante, enfim, esse Portugal de antanho que vocês deixaram para trás há décadas já não existe, excepto nos brilhantes cérebros dos responsáveis da RTP-I. Numas coisas estará melhor, noutras pior, mas definitivamente está morto e enterrado. E é pena que o canal que os contribuintes portugueses pagam para levar a imagem de Portugal ao mundo não só não transmita em directo os jogos de futebol que interessam aos milhões de portugueses espalhados por aí, como ainda se dedique a levar-lhes uma imagem falsa e deprimente de um país que se calhar era assim que eles queriam que continuasse a ser. A RTP-Internacional é um canal antiportuguês, ao serviço da mediocridade, da preguiça e do antigamente.

2- Lá pelas onze da noite, no Rio, consegui finalmente ver o jogo em diferido, já mais do que digerido o resultado. Do que vi, confirmei, desculpem-me lá, a justeza da pré-análise que aqui tinha feito ao jogo: que era fácil vencer este Sporting ou, pelo menos, evitar que ele ganhasse. Bastava aplicar as mesmas armas que o Sporting vinha aplicando ao longo do Campeonato: jogar em contenção e esperar pelo erro alheio. Foi o que Co Adriaanse se dispôs finalmente a fazer e, por isso, ganhou o primeiro "clássico" e, com ele, o Campeonato. O jogo teve assim nenhuma oportunidade para o Sporting e duas para o FC Porto e foi uma profunda chatice. Mas, sobre o mérito da vitória portista, ninguém teve dúvidas, excepção feita ao inevitável Ricardo. Já Paulo Bento, foi sério na hora da derrota.

Acertei também na previsão de que o FC Porto não terminaria o jogo com onze, graças à necessidade que Duarte Gomes sentiu de, no espaço de três minutos, inventar dois amarelos a Bosingwa, para compensar a expulsão, essa justíssima, de Sá Pinto. E falhei na previsão de que, se perdessem, os sportinguistas atribuiriam a derrota ao árbitro - mas apenas pela incontornável razão de que não tiveram a mais pequena razão de queixa do árbitro.

Para o "jogo do título", entre um clube de Lisboa e outro do Porto, a Comissão de Arbitragem rompeu com a tradição estabelecida do "impedimento geográfico" e nomeou um árbitro de Lisboa. A decisão foi saudada por todos os comentadores lisboetas, ninguém estranhando que se tenha logo escolhido o tal "jogo do título" para inaugurar nonovas regras. E, quando o árbitro escolhido se lesionou e foi substituído por outro, coincidentemente também de Lisboa, toda a gente continuou a achar normal e saudável, muito embora Duarte Gomes não pudesse apresentar currículo semelhante ao de Pedro Proença. Pois, tudo normal e saudável... E, se tem sido ao contrário? Se tivesse sido escolhido um árbitro do Porto e, na impossibilidade deste, a segunda escolha fosse também um árbitro do Porto? Será que, por exemplo, os responsáveis sportinguistas teriam mantido sempre o olímpico silêncio que mantiveram os responsáveis portistas?

3- Uma coisa é pacífica: não há ninguém que possa atribuir um só ponto conquistado pelo FC Porto à arbitragem. Duvido que algum outro clube se possa gabar do mesmo e isso faz toda a diferença em relação ao Campeonato e ao campeão do ano passado. Ao contrário do Benfica em 2005, o FC Porto não acaba o Campeonato com os seus últimos doze golos todos marcados de penalty ou de livre à entrada da área. Aliás, em matéria de penalties, o FC Porto - apesar de ter o melhor ataque do Campeonato e, unanimemente reconhecido, o sistema mais ofensivo de todos - teve apenas um penalty assinalado a seu favor. O Sporting teve seis e o Benfica oito. Há estatísticas que matam...

4- 0 FC Porto (e isso é um indiscutível mérito de Co Adriaanse) é também a equipa mais disciplinada deste Campeonato. A que menos cartões tem, a que menos faltas comete. Esse facto tem sido motivo de profunda decepção para os zelotas da Comissão Disciplinar da Liga, cujo único objectivo e razão de ser, conforme se tornou público e notório, é a perseguição disciplinar aos jogadores do FC Porto. Sem portistas para castigar, o CD enterrou os célebres "sumaríssimos" - que desempenharam um papel não despiciendo na decisão do título da época passada-e os seus distintíssimos juizes emigraram para parte incerta. Mas esta semana ressuscitaram do seu exílio, para castigar uma pisadela do Ricardo Quaresma que o árbitro de Alvalade não viu. Pasme-se: só à 30ª jornada do Campeonato é que o CD encontrou matéria para um sumaríssimo e, ó coincidência extraordinária, logo contra um jogador do FC Porto!

Muito inteligentemente, a direcção do FC Porto resolveu nem contestar o dito "sumaríssimo", não fosse a contestação ajudar a cumprir o objectivo oculto, que era o de tirar o Quaresma da final da Taça. E contestar para quê, quando está mais do que cristalina-mente claro para que serve, que objectivos cumpre e que falta absoluta de pudor e de vergonha tem este órgão da Liga, escolhido por Valentim Loureiro e Luís Filipe Vieira? O simples facto de ele continuar a existir com esta composição e esta transparência de intenções cobre de vergonha os seus mandantes e mostra até que ponto, realmente, os títulos conquistados pelo FC Porto são bem mais difíceis de obter do que os dos outros.

5- Se porventura, em lugar do Jorginho, tem sido o Liedson a marcar a oito minutos do fim em Alvalade, Co Adriaanse era um falhado. Assim, parece que recolhe a unanimidade dos elogios. Um jornalista do Correio da Manhã telefona-me para o Brasil, para saber se quero rever as minhas opiniões sobre o treinador do FC Porto. É verdade que por aqui o vento sopra fraco, o que menos me inspira à função de cata-vento. A seu tempo, isto é, no final da estação, direi o que penso sobre o assunto. Sopre o vento de onde soprar.

De Camp Nou a Alvalade ( 04 Abril 2006)


Para ganhar a Europa, mais sorte menos sorte, mais ou menos erros dos árbitros, é preciso ser o melhor. É isso que o Benfica tem de mostrar amanhã à noite.

1- Escrevia-se na sexta-feira passada aqui em A BOLA: "Embora oficialmente em Alvalade ninguém o assuma, não deixou de causar alguma estranheza o facto de Lucílio Baptista ter sido o eleito para o V Guimarães-Sporting... Tratando-se de um árbitro com muita experiência, era tido como um forte candidato a dirigir o Sporting-FC Porto. Afinal, vai estar em Guimarães..." De facto, foi visível durante vários dias o esforço concertado de dirigentes, treinador, comentadores e jornalistas leoninos no sentido de pressionarem para conseguir ter o seu árbitro fetiche no chamado jogo do título. E foi transparente a sua frustração, quase indignação, ao constatarem que, em lugar da sorte grande, lhes saiu a terminação. Ora, para além do facto, sempre indecoroso, de assistir a uma campanha organizada para obter a nomeação de determinado árbitro para determinado jogo, no caso concreto da pressão a favor de Lucílio Baptista, tal desejo é simplesmente obsceno.

Lucílio Baptista é consabidamente um dos piores árbitros de primeira categoria em actividade - basta consultar as classificações dos vários jornais para constatar que o seu nome nunca figura entre os primeiros. Depois, foi já o escolhido para dirigir esta época o FC Porto-Benfica e (olha a coincidência!) também o FC Porto-Sporting. Depois, foi o árbitro escolhido para dirigir nada menos que quatro dos últimos cinco Sporting-FC Porto ou vice-versa para o campeonato - e em todos, sem excepção, prejudicou o FC Porto. Enfim, para além desses duelos onde parecia ter lugar cativo, Lucílio Baptista revelou sempre, nos restantes jogos do FC Porto que arbitrou, uma aversão invencível ao azul e branco - como se viu recentemente no Marítimo-FC Porto para a Taça e como já se tinha visto na final da Taça de há dois anos, um Benfica-FC Porto onde a sua dualidade de critérios foi decisiva para o desfecho final. Com tal historial a seu favor, é preciso ter desplante para achar que ninguém mais que ele era o árbitro recomendável para Alvala-de. O facto de os sportinguistas tanto se terem batido pela sua nomeação dá muito que pensar sobre os célebres bastidores do futebol português.

Mas, se não conseguiu Lucílio para Alvalade, o Sporting conseguiu-o para Guimarães - que, como alguém do clube fez notar, era tão decisivo como o jogo de Alvalade. E em Guimarães, sem grande ocasiões para brilhar, Lucílio Baptista voltou a revelar os seus créditos: deixou dois penalties por assinalar, um para cada lado. Só que o primeiro era a favor do V Guimarães e, se convertido, teria posto o Vitória na frente do marcador. Já no Dragão, no FC Porto-Sporting fizera exactamente o mesmo, deixando por assinalar um penalty para cada lado, sendo o primeiro favorável ao FC Porto.

2- 0 Sporting recebe então o FC Porto sem Lucílio Baptista mas com a grande embalagem psicológica de quem vai em 10 vitórias consecutivas, sete jogos sem sofrer golos e uma tão grande confiança que não há jogador ou dirigente que não afirme que o campeonato não lhes escapará.

Mas, como mais uma vez se viu em Guimarães, o futebol do Sporting é insípido e tem como credo único esperar por um erro de arbitragem ou por um deslize do adversário. Depois, o Liedson resolve. Um futebol assim pode ser vencido:

- adoptando uma atitude de cautela e expectativa semelhante e, já que são eles que têm de vencer o jogo, deixar-lhes a iniciativa da construção, do risco e da imaginação;
- evitar a todo o custo qualquer jogada dividida ou confusa que possa proporcionar-lhes um penalty ou um livre à entrada da área;
- evitar qualquer palavra ou gesto de desagrado para com a arbitragem, por mais brando ou justificado que seja;
- não deixar nunca o Liedson afastar-se mais de meio metro, nem que ele jure que só vai à casa de banho;
- quando no ataque, cruzar bolas por alto para a zona limite da pequena área e ter pelo menos dois jogadores preparados para acorre rem às sobras;

A menos que qualquer coisa de verdadeiramente anormal suceda, tal deve bastar para que o FC Porto saia de Alvalade na condição de principal candidato ao título.

3- Com esta ou outra táctica, mais uma vez Co Adriaanse tem uma oportunidade para mostrar que não é um bom looser e é capaz de vencer algum jogo importante (em 11 oportunidades dessas, esta época, só conseguiu vencer uma vez, contra o Inter, e com uma tremenda dose de sorte).

Mas também, a avaliar pelo ensaio geral de domingo, contra o quase condenado Gil Vicente, o que não abundam por ali são ideias de como vencer jogos. A tão louvada táctica ultra-ofensiva de Adriaanse, os dois extremos, os quatro avançados, a subida constante dos defesas e a mobilidade intensa de toda a frente de ataque têm produzido paradoxalmente uma constrangente dificuldade de chegar ao golo, a par de uma grande eficácia defensiva, que se deve ao enorme Pepe. Com os jogadores que tem, com as facilidades de banco de que dispõe, não se compreende que até para jogar em casa contra dez, e depois nove, jogadores do Gil Vicente a equipa revele uma tamanha falta de imaginação e simplicidade de meios para conseguir marcar golos. O FC Porto deve ser a equipa do campeonato que menos golos obtém de bola parada (o que fazem nos treinos?) e é seguramente aquela que necessita de mais ataques, mais posse de bola e mais remates para facturar um golo. E, se o Sporting é liedsondependente, o FC Porto tem passado a época inteira a viver do desalinhamento de Ricardo Quaresma dentro de um esquema de jogo previsível e inócuo.

4- Amanhã à noite, em Barcelona, o Benfica joga a tremenda esperança de conseguir continuar a alimentar um sonho fantástico. Todos temos consciência de que, para que issosuceda, vai ter de ser o grande Benfica que jogou em Liverpool a partir dos 30 minutos de jogo, com um Simão igualmente inspirado e com a mesma sorte sobrenatural provocada pelas rezas de Moretto que teve na Luz contra este Barcelona e nos primeiros 20 minutos de Liverpool.

A meu ver, a crítica feita ao jogo da Luz da passada semana não ajudou muito a mentalizar os jogadores para a tarefa ciclópica que os espera amanhã à noite. Colocando toda a ênfase no penalty não assinalado a Tiago Motta, fazendo disso quase uma questão diplomática com a Catalunha, a crítica esqueceu-se de dizer que a vitória através desse penalty, deliberadamente provocado e caído do céu, teria atraiçoado por completo a verdade do que se passou em campo e teria apagado, em mais um milagre absoluto, o muito mau que o Benfica fez e consentiu. Ouvir, sem pestanejar, o Simão declarar no final do jogo, ao microfone da TSF, que "a sorte não esteve do nosso lado, esta noite", e continuar a insistir na tecla do penalty, como se ele tivesse sido a nota dominante do jogo e o único factor que determinou o seu desfecho, não ajuda, a meu ver, os jogadores a mentalizarem-se de que vão ter de fazer muito mais amanhã do que fizeram há oito dias.

Nestes grandes jogos europeus as grandes equipas nunca se queixam de um árbitro que tenha cometido apenas um erro: porque elas sabem que é preciso contar com isso e ser capaz de vencer, apesar disso. Ora, o que não deixa de me impressionar é uma crítica que, por razões clubísticas ou patrióticas, é capaz de fazer de um erro do árbitro o padrão de análise de todo um jogo - independentemente daquilo a que se chama a verdade ou a moral do jogo. A diferença entre, por exemplo, o penalty que o árbiárbitro não assinalou contra o Barcelona e os dois que não assinalou no sábado, no Restelo, contra o Benfica, é que no primeiro caso esse penalty talvez tivesse permitido uma vitória que o Benfica não justificou pelo que jogou e, no segundo caso, permitiu, de facto, uma vitória que o Benfica não justificou (e, com ela, já lá vão seis pontos seguidos graças a erros de arbitragem, perante o silêncio eloquente do sr. Veiga...). Para ganhar a Europa, mais sorte menos sorte, mais ou menos erros dos árbitros, é preciso ser o melhor. E isso que o Benfica tem de mostrar amanhã à noite. De certeza que não é fácil mas foi o que fez contra o Liverpool.