quinta-feira, dezembro 27, 2007

NÃO HOUVE CRÓNICA (25 DEZEMBRO 2007)

Não houve crónica.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

O QUE FAZER COM ESTE AVANÇO TODO (18 DEZEMBRO 2007)

É recorrente dizer-se e escrever-se que os portistas olham com desconfiança para Jesualdo Ferreira. Que desconfiam das suas capacidades para levar a nau a bom porto ou, na melhor das hipóteses, que se limitam a dar-lhe o benefício da dúvida. Ora, eu não faço parte dessa facção e acho, honestamente, que, mais de um ano decorrido, já é tempo de terminar com o benefício da dúvida.

Eu saudei a chegada de Jesualdo Ferreira ao FC Porto logo desde o início (embora, deva confessar, em grande parte por ver partir esse «louco» inaturável do Co Adriaanse). Saudei a chegada de alguém com senso-comum, sabendo, como sabia, que qualquer treinador com senso-comum é capaz de triunfar no FC Porto — onde a cultura do clube e o espírito do balneário estão, de há muito, vocacionados para uma atitude de conquista e de vitória como não há paralelo em Portugal. O que se pedia a Jesualdo Ferreira, em Agosto de 2006, é que ele não complicasse o que era simples, que tomasse as escolhas e fizesse as opções óbvias e que não tivesse tiques de autoridade ou de personalidade que quisesse impor a uma máquina de há muito mentalmente afinada e sabendo o que tinha a fazer.

E, com este caderno de encargos, só posso dizer que Jesualdo Ferreira tem cumprido, não apenas bem, mas muito além das expectativas. Em matéria de resultados, leva conquistados um campeonato e uma supertaça, vai a caminho de outro campeonato, tem a equipa nos oitavos-finais da Liga dos Campeões este ano e com o primeiro lugar no grupo e, no ano passado, fez o mesmo e só morreu nos oitavos, em Stanford Bridge, porque o Helton resolveu dar o «frango» do século. Quem teria feito melhor, com os meios e a equipa ao seu dispor?

A desfavor de Jesualdo Ferreira só tenho, como repetidamente venho escrevendo, a incompreensível lista de reforços para esta época. Se foi ele que os escolheu, errou por completo e errou de tal maneira que fica a dúvida se saberá distinguir um bom jogador de um mau; mas se, como eu penso que terá acontecido, se limitou a aceitar os negócios cozinhados acima dele, pecou por falta de coragem de se opor e impor, num domínio que é do treinador. Em contrapartida, são do seu mandato a transformação radical do Bruno Alves, a impensável ressurreição do Tarik Sektioui ou a notável adaptação do Lisandro López a ponta-de-lança.

E, sobre isto, que já não é pouco, Jesualdo Ferreira tem ainda a seu crédito uma atitude louvável, perante o jogo e os acontecimentos. Apenas uma vez, neste quase ano e meio, se queixou de um árbitro — quando, muito antes e depois, teve bastas razões para o fazer. Nunca pretendeu que a equipa tinha jogado bem, quando ela não o fez. Nunca adoptou uma atitude de «cagaço» ancestral antes dos grandes jogos (tão comum aos treinadores portugueses, que, nessas alturas, só pensam é em «reforçar o meio-campo»). Nunca se pôs em bicos-de-pés, como tantos outros, a pedir elogios para si próprio. Nunca se mostrou descrente, crispado, inchado ou vaidoso. Numa palavra, soube sempre ganhar e sempre soube perder, nas poucas vezes que isso lhe aconteceu.

Na semana finda, Jesualdo Ferreira viu a sua equipa ultrapassar, com grande autoridade e inteligência, dois obstáculos que não eram terríveis, mas que facilmente se poderiam tornar complicados: o Besiktas e o Vitória de Guimarães. Contra os turcos, o FC Porto jogava, sobretudo, contra si próprio e contra os nervos que o desenrolar do jogo poderia ocasionar: a equipa soube ir à procura do primeiro golo e depois matar o jogo no momento ideal. Contra o Vitória de Guimarães, que joga do melhor futebol da primeira Liga, o FC Porto foi prudente quanto baste e eficaz quanto necessário, num jogo jogado a um ritmo e com uma abertura raras de ver na nossa Liga. Agora, em pousio da Europa até Março, com dez pontos de avanço no campeonato, o FC Porto está na posição ideal para poder garantir um 2008 feliz. Gerir este avanço interno e poupar os mais desgastados para tê-los em forma quando regressar a Liga dos Campeões, são as tarefas principais que Jesualdo Ferreira vai ter pela frente, no futuro próximo.

Quanto ao primeiro aspecto, há coisas no comportamento da equipa que precisam e podem ser melhoradas. O Helton tem de aprender a dominar o jogo aéreo, percebendo quais são as bolas a que tem de sair e qual é o tempo exacto de saída — porque nem todos têm a sorte do Ricardo, que sai sempre em falso e nunca lhe acontece nada. E tem de aprender também a jogar com os pés, deixando de causar os calafrios que causa na bancada e tentando dar um destino útil às bolas que manda a pontapé para a frente (contra o Besiktas, numa dúzia de reposições a pontapé, nem uma vez acertou com um colega de equipa…). O Raul Meireles tem de aprender a acertar de vez em quando com a baliza, o Lucho (que até remata bem), tem de perder o medo de rematar à baliza quando está em posição de o fazer, e o Quaresma tem de deixar de cobrar quase todos os livres e cantos a meia-altura, tornando inevitável o corte da primeira linha defensiva dos adversários. São pormenores a trabalhar e que se trabalham nos treinos.

Quanto ao segundo problema — o da gestão da equipa — e para alguém que acha, como eu, que não é com o Stepanov, o Mariano, o Farías, o Edgar ou o Lino que lá vamos, Jesualdo deveria meditar um pouco, por exemplo, nas lições deste fim-de-semana. Segundo as crónicas, o melhor jogador do Vitória de Setúbal foi, uma vez mais, o Cláudio Pittbull, o melhor do Vitória de Guimarães foi a Alan, o melhor da Académica foi o Helder Barbosa e o melhor do Leixões foi o Diogo Valente. Têm em comum serem todos avançados, poderem jogar todos nas alas e serem todos jogadores emprestados pelo FC Porto. Qualquer um deles poderia dar bastante jeito, agora, que uma invenção de Olegário Benquerença veio pôr o Ricardo Quaresma de fora no próximo jogo (é curioso como o mais criativo e espectacular jogador do campeonato e o que mais faltas sofre, continua, ano após ano, a ser considerado pelos nossos árbitros como um dos mais indisciplinados, numa equipa que é a segunda mais disciplinada…). Qualquer um deles, ou o Ibson — emprestado ao Flamengo e considerado um dos cinco melhores do campeonato brasileiro — seria um valor mais seguro no mercado de Inverno do que mais um qualquer sul-americano de ocasião, comprado por súbita inspiração da SAD.

PS: Um dos muitos jogadores que o FC Porto mantém emprestados é o jovem Rabiola, ao serviço do Vitória de Guimarães. Tendo jogado apenas 80 minutos neste campeonato, o FC Porto achou por bem mandá-lo apresentar-se em Dezembro no Dragão, na expectativa de que ele possa aí evoluir mais do que em Guimarães. Conhecida a notícia na semana passada, foi quanto bastou para que Sílvio Cervan tenha aproveitado para mais uma das suas manifestações habituais de desconfiança relativamente a tudo o que mexe. Segundo ele, o simples facto de Rabiola juntar-se a quem lhe paga, a partir do ano que vem, tornava desde logo fácil o jogo do FC Porto contra o Vitória de Guimarães — mesmo que ele, como habitualmente, não fizesse parte dos planos de Cajuda para o jogo no Dragão. E se o Alan não tem sido considerado o melhor em campo por parte do Guimarães, o que diria o dirigente benfiquista e colunista/«senador» Sílvio Cervan? Ai, senador, senador!

UM FIM-DE-SEMANA TRISTE (11 DEZEMBRO 2007)

1- Um fim-de-semana sem futebol a sério é como ir à praia sem sol, comer num bom restaurante e depois não poder acender um charuto, ser sacudido e enjoado no Alfa Pendular e nem ao menos poder fumar um cigarrito durante as duas horas e quarenta minutos que dura a viagem Lisboa-Porto. Este fim-de-semana, para agravar as coisas, ao mesmo tempo que descobri que o Chaves-FC Porto não era transmitido pela televisão, descobri também que não tinha um simples rádio em casa. E assim fiquei duas horas sem saber de nada, até que a internet me trouxe, a seco, a feliz notícia: por uma vez, a segunda linha azul-e -branca tinha cumprido os mínimos e lá havia ultrapassado o Chaves na Taça de Portugal. Depois, li nos jornais que nem toda a segunda linha do FC Porto tinha estado à altura das responsabilidades que aquela lindíssima camisola exige. Consta, nomeadamente, que João Paulo e Lino se encarregaram de adensar o mistério das suas contratações e que Mariano Gonzalez voltou a arrastar o seu imenso talento pelo campo, com aquele seu jeito de quem tem um conflito sem solução com a bola. Melhor fez o Stepanov, que se mantém prudentemente «tocado», e o Farías, que arranjou maneira de se magoar num treino antes do jogo, de modo a não estragar a sua média de cerca de uma hora de jogo por cada seis meses e em troca de alguns 75.000 euros mensais.

2- Estes «reforços» portistas do Verão de 2007 fazem-me lembrar, pelo exemplo contrário, o mais extraordinário profissional estrangeiro que alguma vez vi jogar de azul-e-branco. Chamava-se Teófilo Cubillas, peruano comprado a preço de saldo ao Basileia, da Suíça, algures aí por meados dos anos 70 do século passado, e que era um príncipe e um profissional de eleição, dentro e fora do campo. Um número dez completo: defendia, organizava, atacava; fintava, passava, desmarcava, rematava e marcava. A ele devo o mais bonito golo que vi marcar ao vivo, num estádio: foi na Tapadinha, para o campeonato, quando ele arrancou com a bola a meio campo, deu três toques nela e fez duas simulações, até acabar cara-a-cara com o guarda-redes e com cinco adversários fintados e caídos no relvado. Então, quando se esperava que ele fuzilasse a baliza do Atlético, Cubillas marcou como se estivesse a cobrar um penalty em grande estilo: uma finta de corpo e guarda-redes caído para um lado e a bola a entrar suavemente pelo outro. Lembro-me que se fez um imenso silêncio no velho campo da Tapadinha e os primeiros a reagir foram os próprios jogadores do Atlético, que começaram a bater-lhe palmas. Em Alvalade vi-o marcar outro golo fantástico: sempre a direito, fintou três jogadores do Sporting e, no fim, o guarda-redes; mas, entretanto, estava na linha do fundo e sem ângulo para visar a baliza nem companheiro desmarcado a quem passar a bola; então, lançou-se no percurso inverso, desatando a fintar outra vez os mesmos até chegar à marca de penalty, voltar a virar-se para a baliza e daí fuzilar então as redes sportinguistas.
Recordo este último golo ainda por duas outras razões. A primeira é que, apesar do golo, que colocou o FC Porto a ganhar por 1-0 em Alvalade, o resultado final acabou em 5-1 a favor do Sporting! E a segunda razão é que esse jogo assinalou a minha primeira e única incursão no jornalismo desportivo, enquanto repórter. Jovem estagiário num jornal diário, eu tinha sido mandado substituir um colega da secção desportiva que tinha tido um impedimento de última hora. Radiante por ter oportunidade de ver o meu FC Porto à borla, parece que não estive à altura das circunstâncias: o meu relato do jogo foi julgado de tal maneira distorcido, digamos, que fui para sempre dispensado de fazer «ganchos» daqueles — com a minha inteira concordância, aliás.
Mas, voltando ao Cubillas, ele não era apenas o homem dos grandes golos e a estrela da equipa portista naqueles anos. Ele era ainda um profissional exemplar, correctíssimo e cavalheiro dentro do campo, simpático e simples fora dele, tão dedicado ao clube que lhe pagava que, em dois anos e meio com a camisola do FC Porto, não falhou um único jogo, fosse por castigo ou por lesão.

3- E já que não há actualidade suficiente com que me ocupar e prosseguindo nesta linha de revivalismo portista, lembrei-me de pensar quem foram os melhores estrangeiros que vi jogar pelo FC Porto. E depois de muito pensar, eis a minha lista:
1 – Madjer
2 – Cubillas
3 – Jardel
4 – Aloísio
5 – Kostadinov
6 – Drulovic
7 – Branco
8 – Geraldão
9 – Derlei
10 – Anderson

Qual seria, então, o onze ideal de sempre de estrangeiros que actuaram pelo FC Porto? Aí vai a minha escolha:
— Na baliza, o Mlynarzick — aliás, não me lembro de mais nenhum bom, apenas da série de desastres retumbantes, quando se tratou de preencher o lugar do Baía, saído para o Barcelona. Na defesa, tivemos quatro grandes centrais: o Geraldão, o Aloísio, o Demol e, recentemente, o Pepe; um grande defesa-esquerdo, que foi o Branco; e nenhum defesa-direito — terei, pois, de escolher uma defesa só com três elementos. No meio-campo está a dificuldade maior: dois grandes «trincos», o Doriva e o Emerson; dois bons médios-direitos, o Duda e o Ademir; e vários excelentes médios-esquerdos, «números dez»: o Cubillas, o Deco, o Anderson, o Carlos Alberto. Enfim, no ataque, para além do «rei» Mário, que reina sem rival no lugar fulcral, tivemos dois génios à direita, o Madjer e o Kostadinov, e dois grandes jogadores à esquerda, o Drulovic e o Derlei. Cozinhando tudo isto, com as necessárias alterações, eis a equipa de sonho escalada com os imortais que vieram de fora para honrar a camisola azul e branca:
Que tal, portistas? Até fazíamos mais um estádio para os ver jogar juntos!

4- Entretanto, é preciso descer do sonho à realidade. E a realidade é que esta noite, no Dragão, o FC Porto não pode deixar escapar a possibilidade de ouro, não apenas de seguir para os oitavos-de-final da Champions, mas também de segurar o primeiro lugar e dar já meio passo… para os «quartos». Para isso, é necessário não jogar para o empate, mas sempre para a vitória. Até porque, deixando arrastar o empate ao longo do jogo, à medida que este for caminhando para o final, os jogadores vão começar a enervar-se, sabendo que o Besiktas precisa da vitória e que a derrota significa para o FC Porto até a possibilidade de nem à UEFA ir.
A equipa não tem nada que saber: Bosingwa, Pedro Emanuel, Bruno Alves e Fucile; Paulo Assunção, Raul Meireles e Lucho; Quaresma, Lisandro e Tarik. A única coisa diferente de Jesualdo Ferreira que eu faria era dar a baliza ao Nuno e não ao Helton.

E vamos lá então transformar este sonho em realidade!

NÃO ERA PRECISO TANTO! (04 DEZEMBRO 2007)

1- E à 12.ª jornada, Sporting e Benfica resolveram entregar de vez o campeonato ao FC Porto e ficarem a discutir entre si o segundo lugar. Agora, tudo está nas mãos dos azuis e, por isso, o único mal que lhes pode suceder é convencerem-se que, daqui até final, é apenas um passeio. O FC Porto não pode baixar a guarda, mas apenas por razões próprias e não pelo perigo alheio. Porque, como já aqui o disse várias vezes e como ainda na semana decorrida se viu em Liverpool e na Luz, a equipa não tem segunda linha.

As razões pelas quais de há já muitos anos para cá se vem repetindo esta situação de o FC Porto descolar precocemente dos seus dois rivais não são conjunturais e justificariam uma análise profunda. As «crises» de Benfica e Sporting vêm de trás e têm razões fundas e o motivo para a sua persistência, em minha opinião, tem que ver justamente com o facto de nunca serem assumidas como tal e, portanto, nunca se procurarem as causas verdadeiras. Ambos cometeram tremendos erros de gestão e de «cultura» e ambos os procuraram esconder atrás de «apitos dourados», sistemáticas queixas das arbitragens, pseudo-combates a uma coisa que baptizaram de «sistema», e por aí fora. E assim foram lançando fumo para os olhos dos crédulos e dos fanáticos, evitando que o juízo comum extraísse as conclusões lógicas de factos tão evidentes como o de o FC Porto ser sistematicamente o único dos três grandes que se bate na Europa muitas vezes de igual para igual com os tubarões financeiros do «Velho Continente». Se ele é o único dos grandes capaz de competir ao mais alto nível europeu com vontade, determinação e classe, por que estranha razão não seria igualmente o campeão habitual de Portugal?

Mas, enfim, cada um sabe de si, mesmo que se prefira o caminho da vaidade e da ilusão ao de enfrentar a realidade.

2- Não me lembro de um Benfica-FC Porto tão consensual e tão pacífico de controvérsias. A demonstração de poder e de superioridade que o FC Porto deu na Luz foi uma espécie de duche escocês que se abateu sobre os benfiquistas de todos os meios, de todas as idades, de todos os lados. Não encontrei ainda um único benfiquista capaz de contestar a justiça da vitória azul e branca. Encontrei, sim, foi uma profunda depressão instalada entre benfiquistas e sportinguistas, na justa medida em que se viram resignados a reconhecer a grande distância que ainda existe entre o seu futebol e as suas pretensões e a realidade chamada FC Porto.

Corrigidos alguns erros de «casting» evidentes em Liverpool, o FC Porto desceu à Luz com uma determinação e uma autoridade tais que parecia estar a executar um plano cientifico, estudado ao pormenor, de como vencer o jogo sem espinhas. Não houve desequilíbrio evidente em posse de bola, iniciativas de ataque ou oportunidades de golo. Mas houve uma diferença abissal entre a qualidade do futebol jogado, a atitude de conquista e os valores individuais. Numa palavra, aquilo que Pedroto imortalizou como «o estofo de campeão». O FC Porto mostrou que o tinha e o Benfica que não.

Quaresma foi genial no golo da vitória e não só, mostrando uma vez mais porque é que aos génios tem de ser reconhecido, de vez em quando, o direito à desinspiração; Lisandro foi o melhor em campo, um gigante atrás, à frente, aos lados; Lucho, jogador de grandes jogos, esteve imperial; Paulo Assunção foi a formiga que trabalha para as cigarras, sem descanso nem exibicionismo; Pedro Emanuel foi estóico e firme, num dia em que estranhamente quem oscilou foi Bruno Alves; Helton ofereceu um golo, com mais uma saída em falso, mas depois teve duas boas defesas a guardar a vitória; Fucile e Bosingwa chegaram tranquilamente para as encomendas, Meireles foi regular e Tarik, enquanto pôde, ajudou a lançar o pânico na defesa do Benfica. No todo, foram uma equipa a sério, «competente», como gostam de dizer os treinadores, determinada até chegar ao golo, inabalável a defendê-lo. Deixaram atrás de si, no relvado da Luz e perante 60 mil pessoas, um rasto de temor e respeito que tão cedo não se desvanecerá.

3- Há coisas cujo entendimento me escapa e uma delas é as razões pelas quais Miguel Veloso será tão desejado — pelas «passerelles» e supostamente pelo Manchester United e outros grandes dessa Europa. Mas, enfim, gostos não se discutem.

Já me parece que Carlos Queirós não disse nada de tão extraordinário e que pudesse motivar tanta indignação ao presidente do Sporting. Disse que o Manchester seguia Miguel Veloso, como segue outros jogadores portugueses, entre os quais Bosingwa e Bruno Alves. Toda a gente sabe que os grandes clubes seguem todos os potenciais bons jogadores e todos os presidentes dos clubes portugueses, que estão habituados a receber os seus «olheiros» nos estádios e que nunca se furtam a ouvir propostas, sabem-no melhor do que ninguém. Só o Liverpool tem um banco de dados de jogadores sob observação que abrange 6 mil nomes!

Claro que eu também sei que notícias destas complicam as relações entre um clube e os seus profissionais e servem para dar a volta a cabeças mais frágeis. Também sei que muitas vezes estas notícias são «plantadas» pelos agentes dos jogadores para tentarem melhorar os contratos, às vezes ainda mal acabados de assinar. Há para aí meninos que acham que lhes basta fazer meia dúzia de bons jogos cá dentro para logo baterem à porta da direcção a gritar que o mundo inteiro os cobiça e que é altura de os seus contratos serem melhorados, se não querem ir-se embora — basta ler as declarações de Miguel Veloso, anteontem, para o perceber. Mas Filipe Soares Franco também sabe que o facto de o Manchester cobiçar jogadores do Sporting e seduzi-los a meio dos seus contratos tem sido o balão de oxigénio financeiro que tem permitido a sobrevivência das direcções sportinguistas. Pelo que deveria ter tido mais pudor ao indignar-se com a revelação do suposto ou real interesse do Manchester em Veloso.

Dito isto, resta acrescentar que nada justifica a profunda falta de educação de Carlos Queirós a responder a Soares Franco. Tantos anos a viver em Inglaterra e a conviver de perto com Sir Alex Ferguson, pelos vistos não lhe ensinaram ainda a ter maneiras. Aliás, também compreendo mal de onde vem esta arrogância com que Queirós fala habitualmente dos outros e de si próprio. Tenho para mim, desde há muito, que Queirós é um dos bluffs mais bem cultivados do futebol português. É verdade que foi campeão do mundo de juniores em Riad, mas teve ao seu dispor uma geração de oiro — a melhor de sempre do futebol português — e ainda com idades e num tempo em que os meninos talentosos não se imaginavam vedetas mundiais aos 17 e 18 anos. Mas, depois disso, o que fez Queirós que justifique tanto inchaço? Falhou no Sporting, falhou na Selecção Nacional, falhou na África do Sul e falhou no Real Madrid — e em todos os lados saiu sempre a acusar outros da responsabilidade do falhanço. Desde aí que vive na posição cómoda de n.º 2 de Ferguson, compartilhando os seus triunfos e sendo irresponsável pelos seus desaires. Daí é fácil cantar de galo, sobretudo quando se tem 50 milhões de euros para ir às compras todos os Verões. O «professor» faria melhor em guardar as suas lições para reflexão interna.

4- Os sorteios da qualificação para o Mundial e para a fase final do Europeu vieram confirmar o que já aqui escrevi: nunca vi ninguém com tanta sorte como Scolari.

PS: Teria sido interessante e eloquente que os repórteres televisivos, em vez de fugirem da notícia e do acontecimento quando lhes cheira a esturro, como habitualmente fazem, nos tivessem deixado ver o incidente entre Nuno Gomes e Jesualdo Ferreira. Nunca hei-de perceber este jornalismo que consiste em virar a câmara para o lado e fingir que nada se está a passar!

O GLORIOSO «PONTINHO» (27 NOVEMBRO 2007)

É altura de os treinadores das equipas chamadas «pequenas» fazerem uma reflexão sobre os caminhos para os quais estão a conduzir o futebol português. Jogar para o zero-zero e para o «pontinho», ir a casa dos «grandes» e jogar apenas para o milagre, instalando uma muralha da China em frente à baliza, é contribuir directamente para a morte do futebol como espectáculo de massas.


1- Leiria recebeu um dos dez novos estádios que os contribuintes portugueses construíram ou remodelaram para o Euro 2004 (a meias, a Suíça e a Áustria, países bem mais ricos que o nosso e que irão receber o Euro 2008, construíram ou remodelaram apenas oito — como já antes o haviam feito, em conjunto, a Bélgica e a Holanda). Mas já se sabe que em Portugal, onde os dinheiros do Estado parecem não vir de lado algum e são muito poucos os que pagam todos os impostos devidos, quando se faz obra pública tem de ser à grande e à portuguesa. Leiria ficou assim com um estádio novo com capacidade para 25.000 espectadores — que apenas encheu duas vezes em quatro anos e para ver jogar a Selecção — e cuja manutenção e amortização, na parte que cabe à autarquia, representam um garrote orçamental que impede que outras coisas bem mais necessárias possam ser feitas. Esta semana, para receber o Leiria-Braga, com bom tempo e excelentes condições, estiveram no estádio de Leiria 400 pessoas. Parece óbvio que a cidade não faz questão de ter futebol de 1ª. Sobretudo se é para ver duas equipas jogar para o zero-zero.

2- Subscrevo por inteiro a pertinente crónica de Vítor Queirós sobre o FC Porto-V. Setúbal. O Vitória de Setúbal entrou em campo com o estatuto de única equipa na Europa, além do Arsenal, que ainda não tinha sido derrotada esta época em jogos oficiais; ocupava o quarto lugar do campeonato, com tantos golos marcados como o seu anfitrião; e, ao contrário deste, que entrou em campo com seis jogadores que vinham de dois jogos em sete dias pelas respectivas Selecções, a equipa setubalense estava fresca, repousada e tinha tido dez dias para preparar o embate no Dragão.

Abóbora! O que se viu foi um Vitória que, mesmo a perder a partir dos seis minutos, nunca teve o mais pequeno arrebate de brio para tentar passar o meio-campo e chegar ao golo. Até ao fim, limitou-se a defender sempre no seu meio-campo, com dez homens atrás da linha da bola, e tudo o que conseguiu em 90 minutos foi dois remates inofensivos à baliza de Helton. A «táctica», se é que disso se pode falar, consistiu apenas em tentar, como sorte e vista grossa do árbitro a um penalty, manter o 0-1 até próximo do final e esperar que, tal como o Estrela conseguiu na jornada anterior, um bambúrrio de sorte ou uma oferta dos portistas, lhe permitisse sair do Dragão com um empate caído do céu.

Felizmente, isso não aconteceu, porque este ano consta que os milagres estão todos reservados para o Benfica. E ainda bem que não aconteceu. Não pelo FC Porto, que merecia ter ganho por quatro ou cinco. Mas pelo futebol.

3- No Restelo, para ver o Belenenses-Estrela da Amadora, estava um pouco mais de gente: perto de 2.000 pessoas. O Belenenses jogava em casa, tem melhor equipa, era favorito. Mas, interrogado segundos antes de começar o jogo sobre se o Belenenses iria jogar para ganhar, Jorge Jesus respondeu esta coisa extraordinária. «O empate é tão importante como a vitória». Do outro lado, Dauto Faquirá pensou o mesmo e o resultado, como não podia deixar de ser, foi mais um empate a zero, num jogo em que, segundo a crónica deste jornal, nenhum dos dois guarda-redes teve de se incomodar a fazer qualquer defesa. No final, consta que ambos os treinadores estavam satisfeitos. Parece também que alguns adeptos do Belenenses assobiaram o espectáculo no final, mas Jorge Jesus não se incomodou: «isso é normal».

Não, não é normal. É altura dos treinadores das equipas chamadas «pequenas» — e que são sempre tão apoiadas por uma crítica que as exime de qualquer responsabilidades nos espectáculos que proporcionam — fazerem uma reflexão sobre os caminhos para os quais estão a conduzir o futebol português. Jogar para o zero-zero e para o «pontinho», ir a casa dos «grandes» e jogar apenas para o milagre, instalando uma muralha da China em frente à baliza — e isto quando a maioria dos jogos é televisionada e os bilhetes são absurdamente caros — é contribuir directamente para a morte do futebol como espectáculo de massas. Não os incomoda entrar num estádio onde apenas 400 almas penadas, verdadeiros heróis, se deram ao trabalho de ir ver o pouco que eles estão dispostos a mostrar?

4- Acho que nunca, em tantos anos a ver futebol e a seguir campeonatos, vi uma equipa com tanta sorte como este Benfica de 2007/8. Domingo, em Coimbra, lá veio mais uma vitória arrancada nos últimos cinco minutos, num jogo em que o Benfica jogou muito pouco e bem menos que o adversário. Foi quase patético ver o esforço que o guarda-redes da Académica fez para facilitar o segundo e o terceiro golos do Benfica. Neste último, aliás, até vi uma coisa inédita: a bola, depois de passar por entre os braços do guarda-redes, seguiu devagarinho para o poste, daí ressaltou para o terreno e depois, subitamente, inverteu a marcha e desandou para dentro da baliza. Tal qual uma bola de bilhar «puxada» por baixo!

Para sábado, dou a Jesulado Ferreira um conselho de amigo: faça tudo para ganhar o jogo até aos 85 minutos e, se chegar aí em posição de vencedor ou com um empate julgado útil, mande recuar todos, todos os dez para dentro da área; proíba-os terminantemente de cometer qualquer falta, nem que seja com um sopro de ar; nos lançamentos laterais do Benfica (a jogada mais perigosa deles), ponha dois jogadores a saltar sobre a linha, em frente ao lançador. E depois reze, reze muito para que a taluda não saia pela sétima vez ao mesmo.

5- Como era de prever, Pepe teve uma entrada em grande na Selecção Nacional. A ele, à sua eficácia e à segurança que transmite, ficámos a dever parte importante do empate contra a Finlândia, que significou o apuramento para o Europeu. Com Pepe e Deco, sobe para dois o número de naturalizados na Selecção — e se não contarmos com Makukula e Bosingwa, nascidos no Congo. Todos eles são casos especiais, e mesmo Pepe e Deco, ambos brasileiros, vieram para Portugal muito jovens, jogaram aqui cinco ou seis anos, mantêm aqui laços de residência e familiares e sempre mostraram vontade de jogar por Portugal e não pelo Brasil.

Mas isso não impede que as reflexões de Joseph Blatter, presidente da FIFA, tenham toda a razão de ser. A profusão de brasileiros naturalizados que hoje jogam por várias Selecções está a atingir proporções de alarme. Como ele diz e com razão, há 60 milhões de potenciais jogadores de futebol no Brasil, mas só onze é que podem jogar pela sua Selecção. Isso, mais a insistência dos zelotas da União Europeia em não quererem ver que a especificidade do desporto não se compadece com a absoluta liberdade de circulação e trabalho no espaço europeu que vigora para as outras profissões, está a descaracterizar rapidamente, primeiro os clubes e depois as Selecções. Que sentido faz, por exemplo, celebrar uma vitória do Arsenal na Champions como uma vitória do futebol inglês, quando bastas vezes não há um só inglês na equipa titular do Arsenal? E que sentido fará amanhã celebrar um título mundial de um país cuja Selecção seja maioritariamente composta por estrangeiros naturalizados?

quinta-feira, novembro 22, 2007

O DIREITO AO ASSOBIO (21 NOVEMBRO 2007)

Qual é a explicação para o facto de a equipa de Scolari não aparentar ter qualquer estratégia ou plano de jogo, nada ensaiado ou treinado, como se bastasse mandar lá para dentro onze grandes jogadores e esperar pelos resultados consequentes?

1- Há umas semanas atrás, Ricardo Quaresma foi assobiado no Dragão, depois de insistir em várias jogadas individuais inconsequentes. A mim, aquilo pareceu-me injusto: não só porque o FC Porto deve muito, muitíssimo a Ricardo Quaresma (incluindo a sua recusa em ser vendido ao desbarato ao Atlético de Madrid, vai fazer um ano), mas também porque o individualismo, muitas vezes inconsequente, de Quaresma é o preço a pagar por tantas outras jogadas individuais que saem dos seus pés e que resolvem jogos em golpes de génio. Não se pode exigir a um desequilibrador nato que se abstenha disso e se remeta a um papel banal de «jogador de equipa». Faz-me lembrar quando há uns anos atrás, também no FC Porto, se criticava o Jardel porque ele não defendia. É claro que, por vezes há exageros e que podem ser evitados, mas o génio também é um exagero…Veja-se a jogada do Sektioui contra o Marselha: se tem sido desarmado durante aquele incrível slalom em que deixou para trás seis adversários, também se teria dito que fora um individualista. Mas, como a coisa resultou, escreveu-se antes que tinha sido uma jogada de génio.

O ponto importante, todavia, é que, assobiado, o Ricardo Quaresma reagiu com toda a naturalidade: considerou legítimos os assobios e confessou até que estava a jogar menos do que o habitual, mas que iria melhorar. Diferente é a atitude de alguns jogadores da Selecção Nacional, depois de escutarem assobios durante a sua paupérrima prestação contra a Arménia. Para estes, assobiar a Selecção é quase uma atitude antipatriótica. Eu compreendo-os: foi esta mentalidade que Scolari conseguiu introduzir nos espíritos de todos. Quando joga a Selecção de Scolari, os portugueses têm que se abstrair de que estão perante um espectáculo e um jogo de futebol: trata-se, sim, de um momento de veneração patriótica, que não admite críticas nem objecções. O mesmo pode valer para outras coisas: quem não gostar dos livros do Saramago ou da arquitectura do Siza Vieira é um português indigno de o ser.

E, à conta desta chantagem patriótica, vamos assistindo, conformados, a sucessivas exibições miseráveis da Selecção de Scolari. Há, pelo menos, meia dúzia de equipas na Liga portuguesa que jogam melhor futebol do que esta equipa de supervedetas e há meia dúzia de treinadores portugueses que seriam capazes de demonstrar muito melhor serviço do que o intocável seleccionador. É difícil, de facto, entender como é que tantos e tão talentosos jogadores são capazes de jogar tão mal durante tanto tempo. Por que é que o Ronaldo e o Nani rendem muito mais no Manchester United do que na Selecção de Scolari? Por que é que o Quaresma rende muito mais no FC Porto? E o Deco no Barcelona? E o Simão rendia muito mais no Benfica? Etc, etc. Haverá alguma espécie de epidemia colectiva que lhes tolhe o talento quando envergam a camisola da Selecção? Ou, como escreveu o Paulo Sousa e eu subscrevo, qual é a explicação para o facto de a equipa de Scolari não aparentar ter qualquer estratégia ou plano de jogo, nada ensaiado ou treinado, como se bastasse mandar lá para dentro onze grandes jogadores e esperar pelos resultados consequentes?

Enfim, esperemos que amanhã, contra a Finlândia, este grupo triste de grandes jogadores, possa ao menos sacar o empate que lhe garante uma qualificação que seria um escândalo não se conseguir.


2- Jesualdo Ferreira tem um problema entre mãos, após as tonitruantes declarações de Bosingwa. Um problema clássico: fingir que não ouviu e abrir uma possível brecha em termos de disciplina interna, ou mostrar-se inflexível, castigando o jogador e com isso prejudicando a equipa. A questão é ainda mais delicada porque qualquer dos dois intervenientes teve razão a um tempo, mas não a teve noutro.

Jesualdo teve razão ao não querer individualizar culpas pelo modo como o FC Porto desperdiçou, nos cinco minutos finais, uma vitória mais do que tranquila na Amadora. Evitando destacar os dois culpados óbvios, ele quis preservar o espírito de união na equipa, tal como é seu dever. Mas, podia ter ficado por aí, podia ter dito que houvera falta de sorte ou de concentração nos minutos finais, erros que não se podem repetir, etc, essa linguagem cifrada que não atinge ninguém e todos entendem. Porém, ao responsabilizar toda a equipa pelo que aconteceu, ao remeter a responsabilidade para uma meia hora colectiva de relaxe (que não existiu, a equipa nunca se relaxou ao ponto de fazer perigar a vitória), ele foi atingir inocentes para poupar os culpados. E Bosingwa, um jogador com personalidade, acusou o toque e, legitimamente, não gostou. A verdade é que, como todos viram, aconteceu apenas que o Helton resolveu oferecer um golo repetindo um erro em que é recorrente, e o Stepanov resolveu oferecer um penalty, fazendo a equipa perder pontos pela quarta vez em cinco jogos seguidos. Mas José Bosingwa, quando confrontado com as declarações de Jesualdo, devia ter-se limitado a dizer «é a opinião do treinador», sem acrescentar «a minha não é essa». Ao fazê-lo, quebrou a tal solidariedade entre todos que é essencial numa equipa. Mas também chamou a atenção para uma questão a cuja responsabilida Jesualdo Ferreira não pode fugir: no futuro, o esforço de todos vai continuar a poder ser comprometido por erros habituais dos suspeitos do costume?

3- Qualquer dia o Sporting não arranja um árbitro que lhe queira apitar os jogos. A menos que eles se disponibilizem para assinalar os dois ou três penalties que os sportinguistas reclamam em todos os jogos — para além de todos os que já assinalam e que, apesar dos protestos, fazem do Sporting o campeão destacado dos penalties a favor, no século XXI.

Se agora, todos os jogos em que o Sporting reclama dos árbitros vão ter como consequência a penalização a posteriori dos árbitros — e sem que os outros clubes façam o mesmo e nomeadamente, quando é o Sporting o beneficiado —, vai ser difícil querer arbitrar um jogo do Sporting. Pela simples razão de que não há nenhum árbitro que não cometa pelo menos dois ou três erros durante um jogo. Mas, se só são escrutinados e passados à lupa os erros cometidos em desfavor do Sporting, e não também todos os outros erros e em todos os outros jogos, isso significa que se criou um regime de excepção, que prejudica uns e deixa passar os outros.

4- Há um jovem jogador em Braga, chamado Bruno Silva, que estava apalavrado e ajuramentado para o Sporting e que parece que acabou desviado pelo Benfica «à má fila» e inscrito, contra sua vontade e a do pai — representante legal —, na Associação de Futebol de Lisboa. Inacreditável nesta história é que o miúdo tem oito anos (!) de idade e estava assente entre o Sporting e o pai do jogador que, aos onze anos, ele daria entrada na Academia de Alcochete. Mas agora, inscrito pelo Benfica e vivendo em Braga, ele, pura e simplesmente, já não pode competir como até aqui por uma equipa de Braga e também não pode competir pelo Benfica, porque mora a 350 quilómetros de distância!

Eu confesso a minha estupefacção e a minha ignorância: não sabia que se podia inscrever jogadores com oito anos de idade; não sabia que a ganância chegava a tal ponto que se podia assentar com os pais levar-lhes o miúdo aos onze anos e pô-lo a viver a 370 quilómetros da família e dos amigos, traçando-lhe desde logo o destino e a profissão; e não sabia que os dois grandes «moralizadores» do futebol português se podiam envolver em disputas pouco dignas pelo futuro «passe» de um miúdo de oito anos, que, por agora, quer apenas que o deixem jogar futebol.

sexta-feira, novembro 16, 2007

OS TRABALHOS DE JESUALDO (13 NOVEMBRO 2007)

1- Com toda a sinceridade, digo que tenho a melhor impressão sobre o trabalho de Jesualdo Ferreira à frente do FC Porto. Sei que há muitos, portistas e não portistas, que não partilham desta opinião e que vêem no treinador do FC Porto alguém incapaz do «golpe de asa» que é susceptível de levar equipas medianas a mais altos voos. Talvez o seja, talvez não. Mas a verdade é que, com as condições que tem tido à disposição, acho difícil alguém ter feito melhor do que ele, tanto na época passada, como este ano.

Este ano, Jesualdo Ferreira perdeu, sem sorte, a final da Supertaça para o Sporting; perdeu, sem glória e por culpa exclusiva dos jogadores, a Taça da Liga; mas marcha à frente do campeonato, com uma diferença confortável para o Sporting e uma diferença para o Benfica que não reflecte o abismo de categoria existente entre ambas as equipes; e tem o FC Porto praticamente qualificado para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões, com boas hipóteses de terminar o grupo em primeiro lugar. Acho que era difícil fazer melhor com um plantel completamente desequilibrado, como já o era no ano passado e este ano ainda mais, com as saídas de Pepe e Anderson e a contratação de uma legião de jogadores de segunda categoria.

Tudo bem esmiuçado, o FC Porto tem apenas seis jogadores de indiscutível valor, num plantel de 27 elementos. São eles os laterais Bosingwa e Fucile, o central Bruno Alves (incrível recuperação de Jesualdo Ferreira), o trinco Paulo Assunção e os avançados Lisandro e Ricardo Quaresma. Depois, há Lucho Gonzalez, um jogador de indiscutível categoria, mas que só produz um jogo em cada quatro e com destaque para os jogos europeus, onde é elemento preponderante. E tem mais uns fogachos do também incrivelmente recuperado Tarik Sektioui e as suspeitas de génio ocasionalmente deixadas em campo por Leandro Lima — em quem Jesualdo, todavia, parece fazer pouca fé. O resto, tudo o resto, são jogadores banais ou menos do que isso.

Jesualdo tem vários problemas urgentes a resolver e, na minha modesta opinião de treinador de bancada, as soluções passam por:

— obter da SAD a contratação, já no mercado de Inverno, de três jogadores, que sejam verdadeiros reforços e não mais umas quantas oportunidades de negócios escusos: um central de categoria para jogar ao lado de Bruno Alves e livrar-nos desse susto do Stepanov, responsável directo por quatro golos sofridos nos últimos quatro jogos — contra o Marselha, duas vezes, contra o Belenenses e contra o Estrela da Amadora. Talvez um dia o Stepanov venha a ser um jogador aceitável, mas para já é apenas um central à deriva em todos os lances importantes, sistematicamente batido no jogo aéreo, sem noção do tempo de entrada às jogadas e com uma tendência suicida para atrasos ao guarda-redes demasiado curtos; um médio de ataque (ou dois, no caso de continuar a não apostar no Leandrinho); e um ponta-de-lança de raiz e de cultura, que, não desfazendo no Lisandro, não é o caso dele;

— forçar o Helton a horas extraordinárias (se possível sobre orientação do Vítor Baía), até ele perceber que um guarda-redes com 1,90 de altura não pode ser um cata-vento no jogo aéreo, ficando preso aos postes quando devia sair e saindo, e em falso, quando não deve. Viu-se uma vez mais, contra o Estrela da Amadora, que ele não faz a mais pequena noção do que seja dominar o espaço aéreo da sua área. E um guarda-redes que não domina o jogo aéreo e que se enerva a jogar com os pés, pode fazer defesas extraordinárias, mas nunca será um grande guarda-redes.

— forçar também o Raul Meireles a horas extraordinárias, de modo a conseguir acertar na baliza mais do que uma vez em cada dez remates, e já que gosta de gozar da fama, a meu ver absolutamente injustificada, de «rematador de meia distância»;

— estar muito atento aos jogadores que o FC Porto tem emprestados pelos quatro cantos, a quem paga ordenados para os ver brilhar pelos adversários e de que, seguramente, alguns deles valem bem mais do que as pretensas vedetas contratadas no último «defeso».

Jesualdo pode dizer, e não deixa de ter razão, que a forma incrível como o FC Porto deixou fugir uma vitória tranquila sobre o Estrela, nos cinco minutos finais, se deveu ao facto de a equipa ter adormecido sobre a vantagem de dois golos, a meio da segunda parte. Mas a verdade, verdadinha, é que a impossível recuperação do Estrela não encontra justificação no agigantar do adversário nem no adormecimento dos portistas, mas apenas se tornou possível por dois erros crassos individuais da autoria de «suspeitos habituais». E, contra isso, de nada vale o génio do Quaresma ou o esforço do Lisandro e a jogada sumptuosa que ambos contruíram e que se concluiu com um remate ao poste que podia e merecia ter dado o 3-0 e pôr a equipa definitivamente ao abrigo das traições da retaguarda.

2- Muito se escreveu sobre o lance do Binya contra o Celtic e que lhe mereceu o vermelho directo. A entrada do camaronês foi uma autêntica bestialidade e, a meu ver, não colhem as desculpas de que se trata de um jogador ainda imaturo — aliás, já tem 24 anos de idade e alguns seis ou sete de profissional. Acontece que quem vê jogar o Binya na Liga portuguesa, sabe que esse lance de Glasgow não aconteceu por acaso, mas antes reflecte a sua forma de interpretar o futebol. Aqui, ele vem usando e abusando do mesmo estilo, só que com a impunidade que faz com que os jogadores da nossa Liga imaginem que, lá fora, os árbitros são igualmente condescendentes. Não são: nem sequer os árbitros portugueses, que por cá consentem o que na Europa não se atrevem a consentir.

Anteontem na Luz, o Benfica viu sair lesionado o Cardozo, depois de uma entrada violenta de Ricardo Silva — outro jogador useiro e vezeiro nesse tipo de jogo. E, na Amadora, o árbitro deixou em campo, sem sequer lhe mostrar um amarelo, o Anselmo, depois de ele ter entrado a pontapé ao corpo do Helton, quando já não tinha hipótese alguma de disputar a bola. Parece que o exemplo do katsouranis, no ano passado, arrumando o Anderson por quatro meses, perante a complacência de Lucílio Baptista, não serviu de motivo de reflexão para ninguém.

É claro que esta cultura da cacetada impune tem solução: basta querê-la. Basta que a Comissão Disciplinar passe a punir seriamente os caceteiros, que a Comissão de Arbitragem passe a punir os árbitros condescendentes e que os treinadores passem a ensinar aos seus comandados que futebol é uma coisa, cacetada é outra. Foi isso que se esqueceram de explicar ao Binya.

3- O golo de Tarik Sektioui contra o Marselha, a bem da promoção do futebol, deveria passar a integrar todos os genéricos dos programas sobre futebol, a ser passado nas escolas todas do país e em todos os centros de formação onde há miúdos que sonham vir um dia a ser grandes jogadores deste maravilhoso jogo.

O HOMEM RESOLVE (06 NOVEMBRO 2007)

1- Fabuloso Liedson: entre Fátima e Alvalade, entre quarta-feira e domingo, ele sozinho fez esquecer a anunciada crise do Sporting. Em ambos os jogos, o Sporting foi inferior, enquanto equipa, ao seu adversário e podia muito bem ter perdido ambos, não fosse essa serpente venenosa à solta, que tanto saca golos monumentais em remates inesperados, como se introduz na mais pacífica das jogadas alheias para semear o pânico e acabar por sacar um penalty ou um golo de onde, aparentemente, não haveria perigo algum. Já o disse antes e repito-o: Liedson e Quaresma são os únicos grandes jogadores que restam na Liga portuguesa, para além do caso especial de Rui Costa.

Para ser também um dos grandes pontas-de-lança de referência do futebol europeu, só falta a Liedson impor-se exactamente nos jogos europeus, o que até aqui não tem conseguido. Amanhã à noite, contra a Roma, o Sporting bem precisa que o seu talento à solta esteja em campo contra os italianos, porque apenas uma vitória manterá os verdes na luta pela qualificação e poderá significar o fim da tal crise.

2- O FC Porto, recebendo o Marselha, está em melhor posição: um empate, até mesmo uma derrota, não significa logo o fim de todas as esperanças. Mas uma vitória projectará a equipa para o primeiro lugar do grupo e com a qualificação praticamente garantida. Lucho Gonzalez vai fazer muita falta, pois que com ele sucede o contrário de Liedson: muitas vezes apagado nos despiques internos, às vezes mesmo totalmente ausente do jogo, ele emerge, como se tivesse estado a hibernar, nos grandes jogos europeus. Em Marselha, dos 28 jogadores que passaram pelo jogo, foi ele quem mais correu: quatorze quilómetros. E não correu à toa, correu sim ao seu melhor nível, com aqueles passes que rasgam uma defesa inteira e subitamente abrem clareiras junto à área adversária.

Ao FC Porto falta o que o Sporting tem em grande estilo: um ponta-de-lança a sério. Pese à sensacional época do «goleador» Lisandro, e por mais que o próprio se reinvindique como tal, ele não é um ponta-de-lança de criação natural. Está nessas funções porque nenhum dos muitos outros — Adriano, Postiga, Farias, Édgar, Rui Pedro, Bruno Morais, mais uma série deles emprestados — conseguiu até à data destacar-se de uma mediania não aceitável num campeão nacional. O campeonato está, aliás, cheio de pontas-de-lança bem melhores do que qualquer um da colecção ao dispor do campeão nacional. Enfim, o eterno mistério das compras de Verão…

Entretanto, esta surpreendente equipa-fixa de Jesualdo Ferreira, que tantas vezes tem ganho esta época sem jogar bem, voltou agora a ceder um empate jogando bem — como já havia sucedido em Marselha. No deslize caseiro contra o Belenenses, que interrompeu aquela impressionante série de vitórias no campeonato, não encontrei razão alguma para criticar a exibição da equipa. Do princípio ao fim do jogo, o FC Porto lutou infatigavelmente pela vitória, face a um Belenenses que se fechou e defendeu muito bem, mas que pouco atacou com perigo, sobretudo na segunda parte. Houve também «casos do jogo», mas não foi por aí que o FC Porto viu fugir-lhe a vitória. O primeiro golo dos portistas, e único que valeu, é claramente offside; mas nem o segundo nem o terceiro, ambos anulados, o são. Mas todos resultam de jogadas muito rápidas e com decisões às vezes ao centímetro e que não são humanamente cobráveis à arbitragem. Entendo que, nestes casos, não é legítimo queixas da arbitragem, mas, quanto muito, apenas da pouca sorte. E o resumo do jogo, tal como o vi, é esse: o Belenenses teve mérito no empate que sacou, mas, com um pouco de sorte, o FC Porto teria ganho e também com justiça. Não há crise. Até porque…

3- …Porque o Benfica, por exemplo, que segue no segundo lugar, demonstra, jogo após jogo, que só por acaso ou por sorte ocupa tal posição: há várias equipas classificadas abaixo bem melhores do que o Benfica. Não têm é a sorte de vencer todos os jogos à tangente e nos últimos instantes ou não têm também o seu Bruno Paixão para, citando o relato de A BOLA, «empurrar os pacenses para a sua área de forma habilidosa e digna de compêndio», terminando por transformar um empate em vitória e assegurar aos encarnados a tão desejada recuperação de dois pontos para o FC Porto. Este Bruno Paixão, aliás, é sempre mais do mesmo, já não surpreende ninguém. A bem dizer, só surpreendeu mesmo quando, logo no início da sua carreira no topo, assinou aquela inesquecível arbitragem no Campomaiorense-FC Porto. Logo aí, quem manda na arbitragem, percebeu que só tinha uma de duas soluções: ou acabar com a carreira dele imediatamente ou fazer à portuguesa, deixando-o tranquilamente em paz para ir progredindo por antiguidade, independentemente do mérito e da credibilidade. Escolhido o segundo caminho, muito «Apito Dourado» e muita «Corrupção» depois, ele aí está, impune a tudo, caminhando tranquilamente até à reforma. Que se há-de fazer, se vivemos a época da «transparência» e da «regeneração»?

4- Tal como havia previsto, os jogadores do Braga, depois de muito se esforçarem, acabaram por mandar o seu treinador para o desemprego. Tanta displicência em campo, tanta falta de humildade e de atitude, só podiam conduzir a maus resultados. E já se sabe que, quando os resultados são maus, paga o treinador, quer tenha culpa, quer não — porque o presidente é irresponsável por natureza e os jogadores estão defendidos por contratos de trabalho que não os obrigam a correr nem a esforçar-se. Completamente à toa, o presidente António Salvador despede treinadores como quem muda de camisa, põe espiões a vigiar os hábitos nocturnos dos jogadores, muda os horários dos treinos e os dias de folga. Enfim, trata os jogadores como meninos mal comportados, ao mesmo tempo que, contraditoriamente, responsabiliza o treinador. E, no fim, ainda tem talento para se dedicar àquela estafada rábula do «segurem-me senão eu saio!», tão típica dos presidentes que se acham insubstituíveis.

Que um tipo queira ser jogador de futebol, eu percebo muito bem. Também percebo que queira ser treinador — todos quereríamos sê-lo de vez em quando. Mas um dia ainda me explicarão esse fascínio por ser dirigente do futebol — e logo do futebol português. Porque há-de alguém, excepto pontualmente e com espírito de missão e de sacrifício ditados por paixão clubística, querer dirigir clubes arruinados, aturar os caprichos de jogadores que se acham vedetas aos 18 anos, de «empresários»que não dão tréguas e adeptos que passam as horas de trabalho da semana plantados à porta dos centros de treino ou dos estádios a insultar tudo e todos, quando as coisas correm mal? A única explicação que vejo para esta estranha atracção pelo poder é o desejo de dar nas vistas e se transformarem em «figuras públicas» de audiência nacional. Deve ser isso que explica também a quantidade de novos-ricos emergentes que, mal chegam a presidentes de clube e vêem os holofotes e os microfones estendidos para eles, se tomam por gente importante e invejável. Mas que vocação!

COMO PERDER UM JOGO CIENTIFICAMENTE (30 OUTUBRO 2007)

Quando chega a hora da verdade, nos grandes palcos europeus, sem «Apitos Dourados» nem bocas por fora, o FC Porto dá cartas e o resto é paisagem

1- Se eu mandasse, os jogos do Benfica só duravam 80 minutos, porque é só a partir dessa altura que o Benfica os resolve, depois de habitualmente ter gasto o tempo até aí a mostrar-se incapaz de os resolver. Já vão três jogos consecutivos e seis esta época, resolvidos pelas águias nos últimos minutos dos desafios. Camacho não se pode queixar da sorte que tem tido e que falhou a Fernando Santos, mas tanta repetição também não pode ser atribuída só à sorte. De certeza que há mérito da equipa em acreditar e lutar até ao fim, e de certeza que há muito demérito dos adversários e respectivos treinadores, que, nesta altura dos acontecimentos, já deveriam estar mais do que avisados, preparados e concentrados para as terríveis pontas finais do Benfica. Na Luz, domingo passado, o Marítimo mostrou, todavia, que não trazia a lição estudada. Aliás, mostrou como é que se consegue tudo fazer para perder um jogo que se poderia ter ganho.

Até aos quinze minutos de jogo, o Marítimo tornou claro que, se ali havia alguma equipa que sabia jogar à bola, eram eles e não o Benfica. Uma, duas, três oportunidades e golo, perante um estádio gelado com a facilidade com que a sua «melhor equipa dos últimos dez anos» era passada a ferro pelo futebol envolvente dos brasileiros do Marítimo. Depois, Ricardo Fernandes teve um assomo de má consciência perante tanta falta de respeito e resolveu oferecer o empate ao Benfica. Nada que tenha abalado os seus colegas: continuaram a entrar pela defesa do Benfica adentro como quem entra em casa sua, e veio o penalty e a expulsão de Quim, que poderiam soar como a sentença de morte do Benfica — para o jogo e para o campeonato. Parece que Makukula resolveu cobrar o penalty à revelia de Lazaroni e, para quem o estava a ver na televisão, percebeu-se logo, pela sua expressão, que muito provavelmente iria falhar, como falhou. A partir daí, o Marítimo apostou que não iria ganhar o jogo: displicência no ataque, total incompetência na defesa, falta de ambição para ir decididamente em busca da vitória, face a um adversário cansado por um jogo europeu quarta-feira e pela inferioridade numérica. E depois de mais uma oportunidade negligentemente desperdiçada pelo ataque insular, o Benfica chegou à vitória no contra-golpe. Ficou demonstrado que os «grandes» são «grandes» porque dispõem de mais dinheiro e mais adeptos, mas não só: também porque os «pequenos» não se atrevem a tentar deixar de o ser.

Quanto ao Benfica, diz-se que está assente que vai às compras em Dezembro. Parece-me que tarde de mais para a Liga dos Campeões e, pelo que se tem visto, provavelmente tarde de mais também para o campeonato. A menos que o objectivo oculto de Camacho seja a disputa do segundo lugar com o rival do Campo Grande.

2- O rival do Campo Grande atravessa uma série negra e deprimente, pela falta de estrutura competitiva que vem mostrando. A primeira linha é curta e vive de três ou quatro jogadores cujo rendimento determina o da equipa. Há «consagrados» (talvez depressa de mais), como João Moutinho, cujo futebol é previsível, repetitivo e sem rasgo; a segunda linha não existe e, tal como sucedeu com o FC Porto, os reforços da época foram um sonoro e indisfarçável fiasco. A diferença para o Benfica é que o Sporting não tem dinheiro para ir às compras em Dezembro e comprar por comprar está visto que não resolve problema algum, só acrescenta outro. Paulo Bento, que nunca viveu nada que se parecesse com abundância e facilidades, tem agora porventura o mais difícil desafio da sua jovem carreira de treinador, num momento em que já se escutam os primeiros sinais de impaciência e desagrado dos adeptos. Os que ainda acreditam que os milagres existem e não acontecem só em Fátima.

3- Pois, se o jogo do Benfica contra o Marítimo só deveria ter demorado 85 minutos, o do FC Porto contra o Leixões deveria ter demorado apenas oito — que foi quanto os portistas se dispuseram a jogar, depois de se verem a ganhar por 2-0 na infância do jogo. Chamam a isso «gestão», coisa de que as equipes usam e abusam, entre nós, e sem grande respeito pelo público que ajuda a pagar os ordenados dos jogadores. O FC Porto-Leixões, que assinalava o regresso deste confronto Porto-Matosinhos ao nível maior, foi um interminável bocejo, como se jogar futebol fosse assim uma coisa tão aborrecida. Valeu a oitava vitória em oito jornadas e, se sexta-feira o FC Porto conseguir vencer no Restelo, fica bem encaminhado para as dez vitórias em outros tantos jogos, o que seria notável.

Se já muitas vezes se tem falado desta impressionante série de vitórias sem exibições correspondentes, é justo também reconhecer que, faz amanhã oito dias, o FC Porto saiu de Marselha com um empate que merecia ter sido vitória e até folgada. Em Marselha, o FC Porto fez a melhor exibição da época, com uma entrada autoritária e categórica no jogo, teve bolas nos postes, viu os franceses adiantarem-se contra a corrente de jogo, mas os jogadores não desanimaram, foram em busca do empate e terminaram ainda em cima do Marselha e à procura dos três pontos. É nestes confrontos europeus ao mais alto nível que se vê bem como, de há largos anos para cá, o FC Porto cava uma diferença em relação ao Sporting e ao Benfica apenas comparável à que o Benfica dos anos sessenta do século passado tinha sobre os seus rivais domésticos. Quando chega a hora da verdade, nos grandes palcos europeus, sem «Apitos Dourados» nem bocas por fora, o FC Porto dá cartas e o resto é paisagem. Eu sei que dói, mas que querem?

4- Se tudo correr conforme o previsto, estreia-se depois de amanhã, numa sala perto de si, o muito previamente divulgado filme «Corrupção», com o qual alguns benfiquistas do mundo das artes quiseram mostrar a sua imparcialíssima versão do «Apito Dourado». Não entrando em cena a providência cautelar que seria de esperar, este filme inaugura uma nova forma de justiça popular, servindo, com base num único testemunho, a acusação, a «prova» e a sentença de condenação previamente estabelecida, relativamente a um processo que, na justiça real, ainda se encontra em fase de instrução. As intenções prosseguidas pelo filme são eloquentes da exigência ética dos seus autores e um exemplo do que seria a justiça se os juízes fossem escolhidos pelas suas cores clubísticas.

Não admira que o pessoal desta nobre empreitada se tenha desavindo entre si na mesa de montagem, com realizador e actriz principal para um lado, produtor e restantes actores para outro: eloquente, outra vez. Quanto à «testemunha» e musa do enredo, tão apaparicada antes pela realização e script, mudou de visual, fez extensões no cabelo e uma operação à barriga chamada qualquer coisa «aspiração», e optou por ficar do lado do produtor. Cheira-me que estará a alimentar aspirações a um novo passo na sua carreira artística multifacetada. Consta também que, além da versão do produtor, servida nos cinemas, haverá uma outra versão do realizador, servida em casa, para os amigos. E parece que, em vez de «Corrupção», se chamará «Uma amarga lição».

terça-feira, outubro 23, 2007

A LIÇÃO DA ÁFRICA DO SUL ( 23 OUTUBRO 2007)

1- Durante muitos anos pensei que havia dois países no mundo para os quais, por mais voltas que eu desse à imaginação, não conseguia antever futuro algum: a Índia e a África do Sul. Pois bem, enganei-me: a vida está cheia de surpresas, tanto as boas como as más. A Índia é hoje muito mais do que uma nação emergente: é já uma potência económica imprescindível, crescendo a um ritmo de 10% ao ano e — o que é mais notável para quem conheceu o estado de subdesenvolvimento do país há uns anos — com um crescimento baseado na investigação, na qualificação cientifica e no domínio das novas tecnologias. E a África do Sul, pese os problemas graves que se mantêm, está infinitamente melhor do que todo o continente africano e, sobretudo, conseguiu essa proeza impensável de sair do regime intolerável do apartheid por via pacífica e democrática, evitando a guerra civil e a desforra dos negros contra os brancos, como sucedeu no vizinho Zimbabwe. No Zimbabwe, o racismo negro determinou a expulsão e o confisco de todas as terras dos brancos, conduzindo à ruína alimentar, à fome e à miséria o que fora o mais próspero território agrícola de África. Sob o comando desse criminoso corrupto e sanguinário que é Mugabe (que Sócrates insiste à viva força em deixar vir à cimeira Euro-África de Lisboa), o Zimbabwe transformou-se num quadro de terror e de devastação humana que, mesmo em África, ultrapassa tudo o que é tolerável. A África do Sul, pelo contrário, teve a sorte de encontrar em Nelson Mandela um líder que, em lugar do ressentimento e do ódio, que até seriam compreensíveis, demonstrou, desde o primeiro dia no poder, que buscava antes o perdão, a reconciliação e a prosperidade para o seu país.

O que vimos neste Mundial de râguebi, com o triunfo de uma selecção sul-africana composta essencialmente por brancos e mulatos, não seria, obviamente, possível de acontecer no Zimbabwe. E, infelizmente para o seu povo, que não tem culpa dos dirigentes que tem, o Zimbabwe nunca será conhecido por estas ou outras boas razões e nunca beneficiará, à escala planetária, de uma tão boa promoção como a que a África do Sul ficou agora a dever à sua selecção de râguebi.

O triunfo da África do Sul ensina-nos uma lição que só os ditadores, os racistas e os particularmente estúpidos se recusam a ver: que África não é dos negros, nem dos brancos, como se proclamava até aos anos sessenta, nem dos árabes, como se garantia antes disso. África é dos africanos, independentemente da cor da pele: dos que lá nasceram, lá criaram raízes e lá pretendem morrer. Não há nada mais redutor e idiota do que querer julgar a História à luz dos critérios políticos e de justiça social contemporâneos. Até meados do século XX, a história das nações não foi mais do que a história das conquistas e das derrotas e das sucessivas migrações dos povos a elas associadas. Querer negar que os europeus fizeram e fazem parte de África é o mesmo que negar que os mouros fizeram parte da história da Península ou que os negros de África fizeram, forçadamente, parte da história do Brasil. O que aconteceu, aconteceu porque foi inevitável e até natural, pelos padrões da época. Ser anticolonialista é perceber justamente que o que era natural e tido como legítimo dantes, deixou de o ser depois. Não é pretender ajustar contas com a História, perseguir os que ficaram para trás por amor à terra onde nasceram (e muitas vezes sem outra a que pudessem chamar sua) e transformar a independência conquistada a ferros numa oportunidade espúria para uma vingança fora de prazo, de que os povos autóctones acabam, a maior parte das vezes, por ser as maiores vítimas. Angola, por exemplo, onde estivemos 500 anos, é hoje muito mais abusada e explorada por franceses, americanos ou chineses e com a colaboração do regime local, do que o foi pelos portugueses durante esses cinco séculos. São anticolonialistas e ciosos da sua «independência» para tratarem e mal e de cima (de cima do petróleo) os portugueses; mas já não o são na hora de constituírem as célebres sociedades mistas com as mais gananciosas multinacionais do mundo, fazendo viver a «Grande Família» no mais indecoroso luxo e ostentação, enquanto o povo é tratado como sub-gente. Por aqui se vê como a História tem as costas largas e as verdades adquiridas se transformam tantas vezes em embustes sem pudor.

E há ocasiões assim, em que o desporto subitamente nos mostra que há povos que conseguem viver em paz na diversidade multiracial e em que cada comunidade se sente filha do mesmo país e orgulhosa por o honrar.

2- Hermínio Loureiro completou um ano à frente da Liga de Clubes e foi um ano positivo, em que ele confirmou que vinha para mudar as coisas e trazer ar fresco e um ambiente mais saudável ao ar putrefacto em que se vivia. Não deixa de ser uma ironia reveladora pensar que o presidente do Benfica — auto-nomeado regenerador moral do futebol português — conseguiu a proeza de estar com a Liga e intimamente aliado com ela, quando lá estava Valentim Loureiro, em representação do que de pior o mundo do futebol tinha; e conseguiu estar contra a Liga assim que se ensaiou a sério a sua efectiva regeneração. Não sei se é o desejo de dar sempre nas vistas ou se é fruto de uma grande confusão, ingénua ou deliberada, sobre os fins que verdadeiramente pretende.

Entretanto, uma das inovações que Hermínio Loureiro trouxe foi a Taça da Liga, em moldes de disputa originais e semelhantes ao que várias vezes aqui defendi para a disputa da Taça de Portugal: essencialmente, as primeiras eliminatórias discutidas a uma mão no campo dos mais fracos, e as eliminatórias finais a duas mãos. Para além disso, a Taça da Liga visava preencher um défice de visibilidade e de rendimento financeiro para os clubes pequenos e um défice de competição para os grandes, a braços com plantéis de trinta jogadores, dos quais uma dúzia a fazer vida ociosa, sem aproveitamento algum. Todavia, o que se está a passar com os grandes entre os grandes, ameaça matar à nascença a nova competição. Os profissionais de «segunda linha» de FC Porto, Sporting e Benfica têm demonstrado uma falta de vontade e de sentido de responsabilidade — uma falta de profissionalismo — que é preocupante e ameaça tornar inútil e desprovida de sentido a competição. Julgo que no final desta primeira edição, o presidente da Liga vai ter que se reunir com todos e perguntar-lhes o que verdadeiramente querem: manter todos os seus profissionais em competição durante a época ou desistir de fazer ocupar os excedentários, deixando-os livres para essa vida ociosa de treino pela manhã, salão de tatuagens ou cabeleireiro da parte da tarde.

terça-feira, outubro 16, 2007

AZERBAIJÃO, CAZAQUISTÃO E ABSURDISTÃO ( 16 Outubro 2007)

O núcleo duro da União Europeia discute apaixonadamente há dois anos se a Turquia é ou não uma nação europeia e se, consequentemente, tem ou não direito a integrar o selecto clube dos, por ora, 27 membros. E enquanto a Europa política discute se a Turquia é europeia ou asiática, a Europa desportiva não tem dúvidas em estender o seu conceito de nação europeia vários milhares de quilómetros mais para leste, até ao Azerbaijão e Cazaquistão. Nem tanto ao mar nem tanto à terra, nem tão pouco para leste nem tanto para o fim do mundo: a Turquia é, como a história demonstra, tanto europeia quanto asiática; o Azerbaijão e o Cazaquistão não é por terem nascido do desmembramento do ex-império soviético, que ia de Riga, na Letónia, a Vladivostock, na costa do Pacífico, que passaram a ser nações europeias. A capital cazaque fica apenas a 260 quilómetros da fronteira chinesa — menos do que a distância do Porto a Lisboa e em plena Ásia Central. Não se percebe bem como é que a UEFA conseguiu descobrir estas nações «europeias» no coração do antigo império de Gengis Khan. E menos ainda se percebe quando se olha para os calendários do futebol europeu e facilmente se constata que eles estão saturados — de jogos e de viagens. Obrigar, como no caso da Selecção Portuguesa, à realização de 14 jogos de apuramento para o Europeu e com deslocações aos confins do mundo para jogar em relvados sem condições, é uma violência cujos efeitos se fazem depois sentir necessariamente na qualidade do futebol que interessa. Ao menos que fizessem, como na Champions, um pré-grupo de classificação, com todas as nações asiáticas, mais os casos exóticos, como S. Marino ou as Ilhas Faroe.

Também não consigo alcançar bem o interesse e a urgência das reformas propostas pelo presidente da UEFA, Michel Platini, para a Champions League. Por princípio, não consigo entender a necessidade de mexer no que está provadamente bem, e a Champions, depois de tactear uns tempos à procura do modelo certo, é hoje a mais competitiva, a mais prestigiante e a mais cobiçada de todas as competições futebolísticas. O seu êxito assenta exactamente no sistema de quotas — que, se privilegia os clubes dos países mais poderosos futebolisticamente, assegura, correspondentemente, os êxitos e audiências televisivas que fazem o seu sucesso. Sem o terceiro classificado de Inglaterra, Espanha ou Itália (e estamos a falar de equipas como um Arsenal, um Valência ou um Milan), em benefício do campeão da Eslovénia ou da Irlanda, a Champions deixará de ser a montra privilegiada do melhor futebol europeu de clubes. E as audiências e patrocinadores não podem senão recuar. É evidente que os pobres serão beneficiados e os ricos prejudicados com a reforma proposta por Platini. Sem dúvida. Mas aí, há que escolher claramente o que se quer: uma competição mais igualitária formalmente (e apenas formalmente) ou uma competição fundada essencialmente na qualidade. Um país, um voto; ou uma grande equipa, um voto. Acresce que se os ricos serão prejudicados e os pobres beneficiados, já os do meio não terão nada a ganhar com a reforma. A curto/médio prazo, se isto for por diante, Portugal perderá o direito à candidatura do terceiro classificado do campeonato e, logo depois, do segundo. Esperemos que os nossos homens na UEFA saibam justificar porque lá estão e não se distraiam na defesa dos interesses dos clubes portugueses (o Benfica, em especial, o mais beneficiado historicamente com os terceiros lugares, agradece o empenho).

Finalmente, a última parte da reforma proposta por Platini, a meu ver desfigura por completo a natureza e o historial único desta competição. Tanto a Champions como a sua antecessora, a Taça dos Campeões Europeus, têm como código genético desde sempre inscrito o facto de se tratar de uma competição reservada a clubes campeões ou que ficaram próximos. Premeia os melhores no campeonato, e não os vencedores de Taças, como agora se propõe. Incluir os vencedores de taças em detrimento de segundos ou terceiros classificados em campeonatos competitivos, significaria, bastantes vezes, apostar também numa diminuição da qualidade dos participantes. Mais uma vez, não entendo a necessidade de mudar o actual sistema, que assegura aos vencedores de taças o ingresso na Taça UEFA.

Esta teimosia de Platini (que, diga-se, já vem da sua campanha eleitoral), parece-me uma manifestação absurda de politicamente correcto que, seguramente, não vai defender o melhor futebol nem promover mais interesse e audiências.

Já que estamos no domínio dos absurdos, gostaria que alguém explicasse a necessidade de um jogador lesionado ao serviço de um clube e convocado para os trabalhos da Selecção, ter de se apresentar nesta apenas para ser dispensado logo depois. É claro que eu acredito que haja lesões «oportunas» e que dessas os responsáveis da Selecção tenham o direito de duvidar e de querer avaliar por si mesmos. Mas há outras que são públicas e notórias e que por vezes acontecem à vista de todos, no estádio ou na televisão. E há também, ou devia haver, um princípio de boa fé entre o corpo clínico de um clube e o da Selecção, que me parece que deveria ser corrente até prova em contrário. Por exemplo: que sentido faz obrigar um jogador que se lesionou à vista de todos — o Bosingwa — a ter de comparecer em Lisboa, no dia seguinte, apenas para receber a ordem, mais do que previsível, de regressar ao Porto por não estar em condições?

Mesmo em tempo de defeso originado pelos trabalhos da Selecção, os dirigentes sportinguistas não deram descanso ao seu disco rachado das lamúrias com as arbitragens. Muito gostaria eu, para pôr a coisa em pratos limpos, de os ver bombardeados com estatísticas reveladoras e comparativas com os dois outros rivais. Por exemplo, quantos jogadores adversários do Sporting foram expulsos nos últimos anos, em comparação com Benfica e FC Porto? E quantas expulsões houve de jogadores do Sporting? De quantos golos irregulares beneficiou o Sporting e os seus rivais, etc, ect.? Mas, felizmente, uma parte dessa lacuna foi preenchida recentemente com um trabalho de João Querido Manha, no Correio da Manhã. E logo acerca do mais importante — os penalties, sempre, sempre, tão reclamados pelos sportinguistas. Desse trabalho, fiquei a saber que, desde que o Século XXI é século, ou seja, nos últimos sete anos —, o Sporting beneficiou de 71 penalties para o campeonato, o Benfica de 48, e o FC Porto de 44. Ou seja, face ao FC Porto, o Sporting ultrapassou 60% de penalties a mais. Imagine-se como não seriam as contas se, além destes, tivessem sido assinalados todos aqueles que eles reclamam, semana após semana!

Pois é. A estatística é uma chatice: as melhores opiniões e as mais sólidas «verdades» morrem miseravelmente às mãos de uma vulgar estatística! Neste caso, ainda por cima, a estatística choca com outra realidade: é que é sabido e natural que, quem mais ataca, mais beneficia de penalties, por força da dinâmica do seu jogo ofensivo. E quem mais ataca é quem mais golos marca. Neste século, quem mais tem atacado e mais golos tem marcado é o FC Porto (à excepção daquele ano em que o Jardel, com a camisola do Sporting, só à sua conta beneficiou de 18 penalties).

É claro, porém, que nada disto serve para coisa alguma: o País inteiro viu e disse que o Katsouranis não meteu a mão à bola e eles lá continuam, impávidos, a debitarem a sua verdade de que o árbitro lhes roubou um penalty na Luz. E para a semana lá estarão a reclamar mais outro…

domingo, outubro 14, 2007

UM POUCO MAIS DE AZUL...( 09 Outubro 2007)

O FC Porto vai com mais cinco pontos do que ia no ano passado por esta altura e já ganhou três jogos que perdeu em 2006. Isso é um facto incontornável e louvável. Mas também é facto que joga muito pior futebol, muito menos seguro, muito menos denominador, do que jogava na última época.


Que dizer deste surpreendente FC Porto, que joga um futebol incapaz de entusiasmar o adepto mais fácil e, todavia, segue, imperial, com sete vitórias em sete jogos do campeonato e bem lançado na Liga dos Campeões? Alguns jornalistas, daquela escola dos que estão sempre prontos para fazer rapapés aos treinadores e dirigentes, andam para aí a lançar piadas contra os «adeptos críticos» a quem os factos e as vitórias desmentirão todos os dias, e o próprio presidente Pinto da Costa lança indirectas, supostamente irónicas e sábias, aos «críticos», na revista do clube. E, todavia…

Todavia eu mantenho a substância das minhas críticas: a onda de aquisições (doze!) para a nova temporada foi um desastre. À excepção de Leandro Lima e Stepanov, que, com trabalho e oportunidades, ainda podem justificar o investimento, todos os outros não têm, à vista desarmada, qualquer valor que chegue para jogar no FC Porto e justificar os cerca de 15 milhões de euros gastos em compras, durante o mês de Julho. Pelo que, estes surpreendentes resultados vêm sendo obtidos com a mesma equipa que no ano passado foi campeã com um ponto de avanço sobre o Sporting — só que desfalcada «apenas» do Pepe, do Anderson e de outros, como o Ibson, o Alan ou o Vierinha. Só um milagre fará com que esta curta manta dê para as necessidades da época que, como se sabe, são as mesmas de sempre: ser campeão e chegar, pelo menos, à primeira eliminatória da Liga dos Campeões.

Contrariando a minha oposição de princípio à política de compras por atacado que é uma imagem de marca desta direcção, penso que o FC Porto, se quiser lutar a sério pelos seus objectivos habituais, tem de ir às compras em Janeiro. Mas, depois de ter visto o Sporting-Guimarães deste sábado, o que eu faria, para já, até teria custo zero: ir buscar dois jogadores que já são nossos. Um, é o Alan, que nunca deveria ter saído, porque é francamente melhor que, por exemplo, o Tarik ou o Mariano González; o outro é o jovem Rabiola, comprado ao Vitória de Guimarães e lá deixado por empréstimo, com o FC Porto a pagar a totalidade dos seus salários (porque não propusemos ao Manchester uma operação destas, mas ao contrário, em relação ao Anderson?). Jesualdo é que sabe porque escolheu quem escolheu e porque desprezou quem desprezou. Mas, face à fraqueza pungente dos reforços adquiridos, faz impressão ver tantos jogadores do FC Porto, francamente melhores, a brilhar noutros clubes, como o Vitória de Guimarães, o Setúbal, o Leixões ou a Académica. E nós a pagar os ordenados para os ver jogar pelos outros e a pagar os ordenados dos «reforços» para os ver jogar na bancada…

Por isso, quando os tais jornalistas de que acima falei, escrevem, muito diligentes, que Jesualdo calou os críticos que o acusavam de jogar sempre com a mesma equipa e nunca apostar nos reforços, eles «esquecem-se» do resto da história: é que os críticos não sabiam, ao contrário de Jesualdo, que os reforços eram tão fraquinhos. Faltava vê-los jogar. E, agora que os vimos, é óbvio que a única pergunta pertinente é esta: porque razão Jesualdo os quis ou deixou que lhos impingissem?

Essa é uma questão. A outra questão é a qualidade do futebol praticado e à vista de todos. O FC Porto vai com mais cinco pontos do que ia no ano passado por esta altura e já ganhou três jogos que perdeu em 2006. Isso é um facto incontornável e louvável. Mas também é facto que joga muito pior futebol, muito menos seguro, muito menos denominador, do que jogava na última época. No ano passado, por esta altura, estava eu aqui a elogiar, sem reticências, o futebol azul-e-branco; este ano, tirando o jogo de Braga, logo na primeira jornada, não vi motivos para qualquer entusiasmo. Eu sei que os campeões se fazem também ganhando jogos mal jogados; mas, independentemente dessas sete vitórias que aí estão, não acredito que se possa ser campeão sem nunca jogar francamente bem — apenas com atitude competitiva e cultura de vitória, que essas, felizmente, continuam a ser a imagem de marca das sucessivas equipes do FC Porto.

Há dias, por acaso, passei pela RTP-Memória e revi um célebre Milan-FC Porto, para a Liga dos Campeões, em 1987, onde Jardel fez a sua aparição retumbante na primeira linha da equipa, marcando dois golos que fizeram o FC Porto sair de San Siro com a vitória por 3-2. Era treinador António Oliveira (um dia explicarei porque entendo que ele foi um dos melhores treinadores que passaram pelo clube), e, só para se ter uma ideia da diferença de talentos entre essa equipa de então e a de hoje, atente-se no quadro de jogadores que Oliveira tinha à sua disposição, apenas no meio-campo e no ataque. No meio-campo, ele jogou com Sérgio Conceição, Barroso, Paulinho Santos e Zahovic; no ataque fez alinhar Edmilson e Artur. Depois, com aquela fantástica capacidade que ele tinha para fazer as substituições certas no momento certo, fez entrar Jardel, Rui Barros e Drulovic. E ainda deixou de fora, por lesão, Domingos! E o Milan, onde pontificavam jogadores como Maldini, Pannuci, Ambrozini, Marco Simone, Raizinger, Davids, George Weah, Desailly, Albertini, Boban e Roberto Baggio, levou uma lição de bola do Porto! Mas, a verdade é que, da actual equipa do Porto, apenas Ricardo Quaresma teria lugar naquele onze de Oliveira. E vale a pena recordar o comentário final de António Oliveira: «Como viram, ao contrário do que gosta de dizer a imprensa portuguesa, não foi preciso a ajuda do árbitro para ganharmos ao Milan, em San Siro». Já lá vão vinte anos desta lengalenga…

É por causa da memória destas coisas que o público do FC Porto é o mais exigente e o melhor público de futebol em Portugal — uma coisa tem que ver com a outra. Quem não está habituado ou se desabituou das grandes jornadas europeias, das grandes equipas e do grande talento, quer é ganhar de qualquer maneira — como sucede em Alvalade frequentemente, e na Luz, bastantes vezes. No Dragão é diferente: no Dragão queremos as vitórias, mas queremos também o grande futebol. Por isso, é que a ganhar por 1-0 a um inofensivo Boavista e mesmo na véspera de um jogo europeu decisivo na Turquia, o público do Dragão é capaz de assobiar a equipa, porque não está satisfeito com o espectáculo. No FC Porto é fácil ser treinador, por um lado, mas é difícil, por outro. É fácil, porque naquele clube tudo está pensado e organizado para triunfar e a cabina tresanda a ambição de vitória. Mas é difícil, porque ali não é possível pedir tempo aos adeptos nem viver com a desculpa de que são os árbitros que não nos deixam ganhar. E, para além das vitórias, nós queremos espectáculo, golos, futebol.

É por isso, podem crer, senhores jornalistas compreensivos e senhor presidente avesso a críticas, que eu tenho a certeza de que, apesar das sete vitórias e do alívio de Istambul, ninguém se sente ainda tranquilo nem satisfeito e a maior parte de nós continua a pensar, por exemplo, que não ter forçado a vitória contra o Liverpool foi uma oportunidade perdida (até porque o segundo lugar no grupo significa quase sempre a eliminação nos dezasseis avos-finais, às mãos de um «tubarão»).

E é por isso que o FC Porto tem de ir ou banco dos emprestados ou às compras, em Dezembro. Porque os golpes de génio do Quaresma ou os ocasionais flashes europeus do Lucho não vão chegar para as encomendas todas. Precisamos de mais um central de categoria, de dois médios criativos de ataque, de um extremo-direito e de um verdadeiro ponta-de-lança. É muita coisa. Pois é: foi uma pena ter desprezado o que nos dava jeito e ter ido buscar o que não precisávamos.

A CIGARRA, A FORMIGA E O KALIMERO ( 02 Outubro 2007)

O Sporting não sabe perder e, por isso, adoptou a atitude do Kalimero, sempre a queixar-se dos «meninos maus» que lhe roubam a bola no recreio. É já uma cultura entranhada entre os sportinguistas, tão entranhada como o é a cultura de vitória entre os portistas ou a cultura de superioridade entre os benfiquistas.


Como se sabe, há três clubes chamados grandes no futebol português: a Cigarra, a Formiga e o Kalimero.

A Cigarra é o Benfica: faz-se tratar por «A Instituição» e auto-intitula-se de «maior clube do mundo» — com direito a diploma e tudo; diz que vai a caminho dos trezentos mil sócios e que terá uns trinta milhões de adeptos da «marca Benfica» espalhados pelo mundo inteiro; a sua grandeza é tão desmesurada, tão avalassadora, que nem é preciso ter, como este ano, uma equipa de futebol «que qualquer treinador do mundo gostaria de treinar», para que os títulos lhe caiam, naturalmente e por vassalagem alheia, aos pés. Porque acha que de há muito adquiriu por usucapião o direito natural aos títulos, «A Instituição» não acredita que estes exijam trabalho, talento e paciência. Resultado: não é campeão nacional em modalidade alguma, excepto em futebol de salão (que teve de começar a praticar exactamente para poder ser campeão em alguma coisa, tirando partido do facto de A Formiga não praticar a modalidade).

A Formiga é o FC Porto: passou décadas a prestar vassalagem aos Grandes de Lisboa, aceitando pacificamente o papel de animador inútil dos campeonatos. Até ao dia em que soltou o Grito de Ipiranga e nunca mais parou: ultrapassou confortavelmente o número de títulos nacionais do Kalimero e aproxima-se vertiginosamente dos da Cigarra e, em matéria de títulos internacionais, arrasou: face aos dois longínquos títulos de campeão europeu (numa época em que só três ou quatro boas equipas disputavam a Taça dos Campeões e em que, com estrelinha no sorteio, podia-se ir por ali fora), e face ao mítico título de uma obscura e já defunta Taça das Taças conquistada pelo Kalimero na noite dos tempos, a Formiga tem para apresentar, nos últimos 20 anos, uma Taça UEFA, uma Supertaça Europeia, dois títulos de campeão europeu e outros dois de campeão mundial. Este ano defende os títulos de campeão nacional de futebol, hóquei, andebol e já nem sei que mais. Épocas houve, nestes últimos anos, em que juntou simultâneamente todos os títulos de campeão das modalidades profissionais ou os títulos de campeão nacional de futebol em todos os escalões, dos infantis aos seniores. Tal qual como na fábula, tanto a Cigarra como o Kalimero gritam que os sucessos da Formiga são falsos e resultado apenas de batota — (nacional e internacional, presume-se). Repetem isto há vinte anos na esperança de que, como dizia Goebbells, repetir uma mentira até à exaustão a transforme numa verdade… por exaustão. A Formiga ri-se e segue em frente. Ela sabe que, para ganhar mais vezes do que os outros é preciso muito trabalho, muito talento, muita organização, muita humildade e uma cultura de vitória que não se consegue com simples proclamações de superioridade natural.

O Kalimero é Sporting e é o caso mais problemático. Os tempos mudam e os tempos mudaram em desfavor do Kalimero: no futebol nacional, tal como na vida política ou demográfica do país, os tempos evoluiram para a bipolarização e o Kalimero é o parceiro sobejante. Em vão, vive a proclamar que foram eles que trouxeram o futebol para Portugal, que são eles os gentlemen e guardiões do templo com a profusão de condes e barões que deram ao nosso futebol. A verdade é esta: o Kalimero tem hoje menos títulos, no futebol e no resto, menos adeptos, menos assistências e incomparavelmente menos projecção e conhecimento internacional do que a Formiga. Pior do que isso, eles — que se reivindicam de donos do fair-play e do bom gosto — sofrem de cada vez que comparam o seu novo estádio, com nome de Visconde, a essa coisa linear e deslumbrante que é o Estádio do Dragão, e desesperadamente sentem que, em cada nova geração de adeptos que chega ao futebol, são muito mais os dragões do que os leões.

O Kalimero não tem culpa disto e, ao contrário da Cigarra, tem feito tudo o que pode e deve para contrariar o inevitável. O Sporting — repito o que já aqui disse — é hoje o clube melhor administrado e o que mais faz para evitar a bancarrota em cuja iminência vivem todos os clubes portugueses (e mesmo que isso passe por sacar à Câmara Municipal de Lisboa negócios e benesses que deveriam fazer corar de vergonha os inspectores do IGAT que conseguiram descobrir graves irregularidades na construção do Estádio do Dragão, porque teria havido uns terrenos do clube permutados com a CMP e sobrevaliados, e assistiram depois, em respeitoso silêncio, a todos os negócios de favor celebrados pela CML com Benfica e Sporting para a construção dos seus novos estádios).

Dos três, o Kalimero é o que tem menos dinheiro e menos orçamento para o futebol, o que, em contrapartida, mais talentos cria e exporta, e o que mais faz das tripas coração para se manter na discussão ao nível do topo. Merece por isso um rol de elogios e só não merece todos porque lhe falta uma característica fundamental que distingue os verdadeiros desportistas e o verdadeiro fair-play das falsas nobrezas apregoadas: saber perder. O Sporting não sabe perder e, por isso, adoptou a atitude do Kalimero, sempre a queixar-se dos «meninos maus» que lhe roubam a bola no recreio. É já uma cultura entranhada entre os sportinguistas, tão entranhada como o é a cultura de vitória entre os portistas ou a cultura de superioridade entre os benfiquistas.

Como se tal não bastasse, o Kalimero usa, sem pudor algum, uma bitola com dois pesos e duas medidas, convencido de que ninguém nota a hipocresia. Quando acha que tem razões para se queixar do árbitro — o que sucede sempre que não ganha — arma um escabeche de todo o tamanho, com declarações inflamadas, comunicados patéticos ou rídiculas «procissões de luto»; quando são benficiados — o que acontece muito mais vezes e quase sempre quando jogam em Alvalade — calam-se muito caladinhos e assobiam para o ar. Dizem que só não foram campeões no ano passado porque sofreram um golo marcado com a mão, mas fingem não ter visto o golo que entrou dentro da sua baliza e não valeu ou os erros que lhes permitiram sair do Dragão com uma vitória. Este ano, passaram uma semana revoltados porque o árbitro não lhes marcou um penalty na Amadora, que não teria qualquer influência no resultado, mas calaram-se quando, em Alvalade e contra o Setúbal, o árbitro esqueceu um penalty a favor do Vitória, que teria modificado o resultado.

O «escândalo» desta semana é porque, dizem eles, lhe roubaram dois penalties na Luz ( o mesmo árbitro que os fez ganhar no Porto, em Abril passado…). Ora, penso que, se há alguém insuspeito a analisar um Sporting-Benfica, é um portista. E o que eu vi é que, dos três lances contestados no jogo, o único que oferece dúvidas acabou a beneficiar o Sporting: um penalty que João Moutinho terá cometido mesmo a terminar o jogo. O primeiro penalty reclamado pelo Sporting faz parte daquela categoria de penalties de que os sportinguistas reclamam aos dois ou três por jogo, já por hábito instalado. E o segundo, é preciso ter muito má-fé e uma total falta de vergonha para o reclamar. O país inteiro viu que não houve penalty algum, que o Katsouranis, a menos que fosse decepado, não podia evitar que a bola lhe batesse no braço. O juiz de linha viu mal e marcou penalty, o árbitro viu bem e não o marcou. Sustentar que deveria ter prevalecido a opinião do juiz de linha, mesmo que ela implicasse uma vitória falsa como Judas e com o argumento de que foi assim que o Benfica ganhou na Amadora, deita por terra, sem honra alguma, quaisquer veleidades de se armarem em donos do desportivismo.

Aliás, eu fartei-me de rir, ao ler no sábado e ontem o relato da «histórica reunião» promovida pela Bola entre os presidentes do Benfica e do Sporting. Almoçando antes do jogo, não tiveram dificuldades em entenderem-se na conclusão de que são ambos vítimas das arbitragens, em benefício do «Outro», e irmãos na luta contra o suposto «Sistema» (de que eles controlam tudo: Federação, direcção da Liga, Comissão de Arbitragem e Comissão Disciplinar). Mas — pensei eu com os meus botões — bastaria que houvesse um casosinho ou inventado como tal no jogo do dia seguinte, e lá se ia a harmonia, a irmandade e a luta comum contra as arbitragens e o «Sistema». Dito e feito.

PS: Paulo Bento transformou-se agora no farol dos treinadores sem luz à vista. O problema, Jorge Costa, é que o golo do Guimarães foi mesmo golo e não hoube falta alguma sobre o Madrid. E o problema é que os seus jogadores vêm mostrando, jogo após jogo, que a culpa não é dos árbitros. Você, que tão bem conhece e tão bem interpretou a cultura de vitória do FC Porto, é novo de mais como treinador para se refugiar na cultura do Kalimero.

quarta-feira, setembro 26, 2007

OBRIGADO, CARLOS CARVALHAL!!! ( 26 Setembro 2007)

Não fosse a atitude, a estratégia e a coragem do Vitória de Setúbal em Alvalade, e a incrível maratona futobolístico-televisiva do final do dia de domingo - a ter de ver, por dever de ofício, os três grandes sucessivamente - teria sido uma verdadeira penitência. Mas, graças, antes de mais, à prestação do Vitória, do princípio ao fim do jogo, o Sporting-Setúbal acabou por ser um jogo vivo, emocionante e mutuamente bem jogado em grande parte do tempo. Dou os parabéns a Carlos Carvalhal, porque:

- É a segunda vez consecutiva que vejo jogar o Vitória: primeiro, deu uma lição de bola ao Braga, agora pôs o Sporting em respeito e em Alvalade;

- Vê-se que está ali muito treino, muito trabalho e uma aposta prévia na coragem: como todas as equipas, o Vitória joga para o resultado, mas a forma de lá chegar é tentando jogar bom futebol e não o oposto, o anti-futebol;

- Empatado ou a ganhar em Alvalade, o Vitória nunca abdicou dos últimos cinquenta metros do campo, nunca desistiu do contra-ataque, com dois, três ou quatro jogadores. De cada vez que o Sporting chegou à igualdade, imaginou-se que o Vitória se iria recolher de vez atrás e deixar-se de veleidades. Mas, não: manteve o Sporting em alerta até mesmo aos descontos.

- Quando teve de defender, o Vitória defendeu com cabeça e organização, não chutando a bola para a frente de qualquer maneira, não recorrendo às faltas sucessivas, nem às lesões simuladas nem às perdas de tempo. Até ao fim, acreditou que, para defender bem, tinha de manter a cabeça fria e a capacidade de continuar a assustar o adversário.

- Longe de se limitar a preocupações defensivas, Carlos Carvalhal estudou uma estratégia para chegar ao golo, mesmo no terreno da equipe que tem, provavelmente, a melhor defesa do campeonato. E chegou lá duas vezes, com muita inteligência e premeditação — embora o segundo golo do Vitória tenha sido metade da autoria do Mick Jagger, graças ao estado lastimável em que o concerto dos Stones deixou a relva de Alvalade.

- Enfim, o Vitória e o seu treinador tiveram ainda o grande mérito de obrigar o Sporting a jogar o seu melhor futebol para evitar a derrota e conseguiram ainda que, por uma vez, sem ter ganho, os responsáveis sportinguistas não se tenham desculpado com a arbitragem (também era o que faltava depois de terem beneficiado das duas decisões mais controversas do jogo!).

Manda pois a sinceridade que se diga igualmente que foi muito boa a segunda parte do Sporting, a velocidade que conseguiu pôr no jogo e a vontade de vencer, expressa até ao último sopro do desafio. Por aquilo que fez e que lutou, o Sporting também não merecia ter perdido e deu uma importante demonstração da sua vontade de forçar o destino.

A qual, por exemplo e em contraste, esteve notavelmente ausente da exibição do Benfica em Braga. Aliás, e com a responsabilidade distribuída por ambas as equipas, diga-se que o Sp. Braga-Benfica foi um jogo quase indecente, de total falta de respeito pelos espectadores e pelo espectáculo. E, todavia, estavam ali reunidas todas as condições para um bom jogo: um estádio maravilhoso e cheio, uma relva impecável, um fim de tarde de temperatura ideal e duas equipas com anunciadas aspirações de serem uma o campeão e outra o mais perigoso outsider do campeonato. Em vez disso assistiu-se a um jogo deplorável de falta de classe e de ambição, sem oportunidades de golo e praticamente sem uma única boa jogada, de princípio a fim. Sem desculpa.

O mesmo mau futebol viu-se também no Paços de Ferreira-FC Porto, mas aqui com uma desculpa pertinente: é quase impossível jogar-se bom futebol naquele terreno. Há três ou quatro campos na Primeira Liga, com dimensões reduzidas, sem espaço nas laterais e com relvados que, assim que começa a chover, transformam o jogo numa lotaria, que estão claramente a mais numa competição onde os preços dos bilhetes fazem supor que se vai assistir a futebol de primeira. A verdade é que vemos pela televisão inúmeros jogos em estádios de clubes menores da Espanha, Inglaterra, Itália ou Alemanha, e em nenhum deles vemos campos destes. Como já aqui tenho escrito várias vezes, a tradicional tendência dos nossos jornalistas desportivos para tomarem partido pelos Davids contra os Golias (e no caso, defrontavam-se o mais pobre e o mais rico orçamentos da Primeira Liga), leva a adulterar a leitura da relação de forças em presença: em campos como o da Mata Real, os grandes não gozam de favoritismo algum. Pelo contrário, o seu futebol, que precisa de espaço como todo o futebol bem jogado, é manietado à partida e tem de se adaptar a um futebol de combate, de ressaltos, de pontapé para o ar, a que os anfitriões estão muito melhor adaptados e habituados. Foi o que fez o FC Porto, que soube ainda aproveitar duas das quatro oportunidades de golo de que dispôs. O Paços não teve nenhuma e, por isso mesmo, perdeu. Ao contrário do que disse José Mota, as coisas não estiveram equilibradas no relvado supostamente porque o Paços se teria equiparado ao FC Porto. O FC Porto é que teve de se equiparar ao futebol que o campo consente. Jogou forte e feio: tão feio como o Paços, mas mais forte.

E Jesualdo Ferreira lá segue, com o notável registo de cinco vitórias nos cinco primeiros jogos do campeonato. Numa altura em que, apesar do brevíssimo tempo de demonstração que lhes tem sido concedido, mais se acentua a ideia de que, excepção feita a Leandro Lima (com dez minutos em jogo fez mais que Raul Meireles numa hora), os doze reforços da época foram um tremendo flop. Escrevi na época passada, que o FC Porto era uma equipa desequilibrada: tinha três jogadores excepcionais, quatro bons e o resto era mediano ou medíocre. Esta época, penso que tem um excepcional, quatro ou cinco bons e os outros perfeitamente banais. Viu-se, na terça-feira passada, contra o Liverpool, que a manta é curta e que a falta de ambição aí demonstrada é o reflexo da falta de crença da equipa em si mesma. Uma equipa que confiasse no seu valor, não se teria deixado tolher pelo medo, sobretudo quando percebeu que o adversário estava em noite não e, mais ainda, quando o viu ficar reduzido a dez unidades.

Aliás, toda a jornada europeia, saldada pela incrível mas previsível hecatombe de um empate e seis derrotas, foi eloquente de como o nosso futebol de clubes está cada vez mais longe do top europeu. Não é em vão que os melhores jogadores do campeonato, aqueles que verdadeiramente fazem a diferença, vão saindo, ano após ano. Em minha opinião, este ano e para além do caso especial de Rui Costa, restam dois grandes jogadores e não mais do que isso: o Liedson e o Ricardo Quaresma.

Nada de novo no reino da Dinamarca. Como seria de esperar, a Federação Portuguesa de Futebol apoia e presta-se a ajudar o seleccionador na sua demanda com a justiça da UEFA. Como vem sendo hábito, também, Gilberto Madail não aceita responder a perguntas e, apenas por pró-forma, a Federação anuncia que mantém em curso um «auto de averiguações» (como se ainda houvesse alguma coisa para averiguar…) e para depois dizer também da sua justiça.

Há quem pense que Scolari devia sair já e há quem pense que isso seria um gesto de tremenda ingratidão e injustiça. Eu penso que a decisão certa foi esta: mantê-lo, pelo menos, até ao final da fase de qualificação e responder então pelo resultado. Não ignoro que, para isso, Madail teve de dar algumas cambalhotas jurídico-éticas (e daí o seu silêncio), teve de fingir que as desculpas de Scolari não foram um amontoado de mentiras e contradições, que o seu gesto sobre o jogador sérvio não era previsível face a comportamentos seus passados (quando, por exemplo e perante o silêncio cúmplice dos restantes jornalistas presentes, insultou ordinariamente uma jornalista culpada de lhe ter feito uma pergunta de que não gostou), e teve de deixar sem explicação a contradição insanável entre a justiça «exemplar» aplicada ao miúdo Zequinha e a justiça compreensiva aplicada ao seleccionador. Mas, mesmo ponderando tudo isso, continuo a achar que a melhor saída é fazer de conta que só a UEFA é que tem que ver com o assunto, deixando que, na prática, seja Scolari o responsável pelo êxito ou fracasso da qualificação europeia. Só de imaginar o que se diria se ele fosse agora substituído e depois não nos qualificássemos!... Mas é evidente que Scolari sabe que está com pena suspensa internamente: se falhar a qualificação, não há quem lhe valha. A bola está do lado dos jogadores que tanto o apoiam.

A HUMILHAÇÃO DE BERARDO ( 18 Setembro 2007)

1- O golo de Rui Costa à Naval é uma obra de arte de inteligência e simplicidade. É daqueles golos que podem ser repetidos dez, vinte vezes, e nunca cansam de ver. Ao vê-lo revê-lo e voltar a vê-lo, cada vez me convenço mais de uma ideia que há muito tenho: no futebol moderno, só os jogadores inteligentes a jogar podem ser bons jogadores. Aliás, basta observar todo o jogo de Rui Costa: ele pode já não correr como outrora, mas faz a bola correr por ele. Num só passe, é capaz de virar o sentido do jogo de pernas para o ar, de poupar à equipa uma progressão em passes e mais passes laterais ou recuados, de rasgar uma defesa de alto a baixo. O seu futebol é clássico, clarividente, tremendamente simples no seu objectivo final: chegar ao golo. E, agora que a sua carreira se aproxima inexoravelmente do fim, Rui Costa parece ter aprimorado as qualidades que sempre se lhe viram, como se não quisesse despedir-se sem deixar a todos a lembrança de um futebol cristalino.

Já há largos meses tinha feito aqui o seu elogio, escrevendo que, em minha opinião, ele era o melhor jogador, o jogador essencial do Benfica. Ele aceitou o desafio de risco de continuar por mais uma época, porque se sentiu à altura das exigências e, sobretudo, sem dúvida, porque jogar continua a dar-lhe prazer. Luís Filipe Vieira diz agora que Rui Costa está dar uma bofetada de luva branca nos que duvidaram dele — «entre os quais, muitos de vocês», disse ele, apontando para os jornalistas. Como sabemos, não é verdade: quem duvidou de Rui Costa, em termos até insultuosos, foi esse grande benfiquista Joe Berardo, com lugar cativo ao lado de Vieira, no camarote presidencial da Luz. Quem é esbofeteado de luva branca, jogo após jogo, é Berardo. No campo e fora dele, Rui Costa mostra todos os atributos que fazem a inveja de muita gente que acha que o dinheiro compra tudo: categoria, estilo, classe.

Agora, cavalgando a oportunidade e qual monarca iluminado, Vieira diz que vai «preparar» Rui Costa durante três anos para lhe suceder como presidente. Aos olhos do presidente do Benfica, uma coisa decorre naturalmente da outra: só um grande jogador, como Rui Costa, pode dar um grande presidente, como Vieira. A história, porém, ensina-nos outra coisa: nenhum presidente, por maior que seja, consegue fabricar grandes jogadores; mas grandes jogadores, muitas vezes, sustentam presidentes.

2- Vi muito mau futebol, este fim-de-semana. Futebol de faltas sucessivas, interrupções constantes, equipas sem imaginação, sem vontade nem capacidade de jogar para o golo, treinadores mais preocupados em dizer mal dos árbitros do que em pôr as suas equipas a respeitar os espectadores que vão aos estádios. Por junto, para além do fabuloso golo de Rui Costa, a única coisa decente que vi foram, surpreendentemente, os primeiros vinte e os últimos vinte minutos da Naval no Estádio da Luz. No final, fiquei a saber, surpreendentemente também, que o imenso presidente Aprigío Santos, da Naval, achou porém que aquilo foi pouco, que as bolas na barra e a derrota foram culpa do treinador. E, aí vamos: quatro jornadas, três treinadores despedidos. Presidentes despedidos: zero.

Comecei por ver o Setúbal-Braga e confirmei a impressão que o Braga me havia deixado do primeiro jogo contra o FC Porto: está ali uma equipa constituída por ex-vedetas e ex-futuras vedetas, que se portam como tal. Jogadores que, em campo, são o exemplo oposto do que foi o seu treinador, Jorge Costa. Jogam como se estivessem a fazer um frete, como se, de cada vez que tocam na bola, o adversário devesse parar para os aplaudir. Em 90 minutos de jogo, o Braga só acertou com uma bola na baliza do Vitória, e essa foi de penalty, caído do céu. É demasiado pouco para quem tem ambições a ser o «quarto grande».

Depois, vi o FC Porto-Marítimo. Um Marítimo inofensivo, só sabendo defender, e um FC Porto arrastado, previsível, deprimente. Já cheguei ao ponto de não saber se Jesualdo Ferreira terá ou não razão em não pôr a jogar nenhum dos doze reforços que comprou. Não sei se é ele que não lhes dá oportunidades suficientes para se integrarem e mostrarem o que valem, ou se, de facto, são eles que não valem e o melhor é deixá-los de fora. Não sei se o Stepanov é melhor ou pior que o Pedro Emanuel ou o João Paulo, se o Bolatti é melhor ou não que o Paulo Assunção (que confrangedora forma em que ele está!), se o Mariano González é ou não melhor que o Lisandro, se o Farías seria mais útil que o Adriano ou o Lisandro. De facto, só tenho a certeza de uma coisa: o Leandro Lima é bem melhor do que o Raul Meireles — é a diferença entre alguém que tem uma ideia e um objectivo de jogo e alguém que nunca se percebe muito bem o que por ali anda a fazer.

Vi o Benfica entrar em campo, contra a Naval, com cinco aquisições desta época — e não foram seis porque, inesperadamente, Camacho deixou Cardozo no banco. Ao contrário, o FC Porto entrou sem nenhum reforço e foi preciso meio jogo inócuo para aparecer Farias. Mas a fé, ou a teimosia, de Jesualdo Ferreira crescem com estas primeiras vitórias. Enquanto vai ganhando, mais aumenta a impressão de que ele acha possível dar conta de uma época vencedora com a mesma equipa do ano passado… sem o Pepe e o Anderson. Tremo só de olhar para a constituição da equipa que vai entrar em campo, logo à noite, contra o Liverpool.

Também fui espreitando, a bocejar de tédio, o Estrela da Amadora-Sporting. Foi mais uma daquelas vitórias à Sporting, que antes de ser já o era. Antes que pudesse haver dúvidas, o adversário entregou o jogo e, daí até final, arrastaram-se ambos em campo, com o entusiasmo de amanuenses de uma qualquer repartição pública. Ó meus senhores, jogar futebol é assim uma profissão tão chata?

3- Previsível e conservador até ao limite, Jesualdo Ferreira integra, porém, um extenso lote de treinadores que obedecem intransigentemente à conhecida máxima de que «em equipa que ganha não se mexe». Para mim, é das verdades mais idiotas do futebol, mas ao menos compreendo que tem a sua lógica. O que eu nunca tinha visto é um treinador defensor da máxima «em equipa que não ganha não se mexe». Luiz Felipe Scolari é o primeiro defensor do género. Ele é capaz de repetir sucessivamente — Arménia, Polónia e Sérvia — os mesmíssimos jogadores que já toda a gente, menos ele, viu que não estão a jogar nada. Mas, tal como aqui escrevi há tempos, a Selecção de Scolari não é, nunca foi ou será, a Selecção dos melhores em cada momento, mas sim a Selecção dos amigos de Scolari. O que nos vale é que eu nunca conheci, em tantos anos a ver futebol, alguém com tanta sorte como o nosso seleccionador nacional. Com metade dos erros que já cometeu, qualquer treinador teria sucumbido a resultados e nenhum treinador português se teria aguentado em funções.

Quanto ao resto, ao que se passou após o Portugal-Sérvia, quarta-feira passada, já lá vai demasiado tempo e demasiados e reveladores comentários para justificar também o meu. A seu tempo…

4- Bonito de ver foi os jogadores da Selecção de râguebi a abrir alas para a saída dos All Blacks e estes a devolver o gesto. Impensável de ver num jogo de futebol.