domingo, setembro 28, 2008

F.C.PORTO: EM CONSTRUÇÃO OU EM DESCONSTRUÇÃO (23 SETEMBRO 2008)

Depois da vitória sobre o Fenerbahçe, quarta-feira passada, Jesualdo Ferreira queixou-se dos assobios escutados no Dragão, explicando aos sócios do FC Porto que havia que ser mais compreensivo com uma equipa «em construção», que entrou em jogo com cinco estreantes em competições europeias. Realmente, faz alguma confusão escutar os assobios quando se está a ganhar por 2-1 um jogo tão importante e quando já se tinha regalado o público com uns vinte minutos iniciais de fino futebol. O que aconteceu então, para os assobios?

Aconteceu, primeiro, que o público do Dragão se tornou, com o passar dos anos e das vitórias, no mais exigente público de futebol em Portugal. Ali, não nos basta ganhar, porque ganhar, felizmente, é coisa a que estamos bem habituados. Queremos também ver empenho nos jogadores, coragem nos treinadores e futebol que compense a ida ao estádio. É essa uma das características que, hoje em dia, mais nos distingue dos rivais lisboetas e, embora tal possa ser por vezes difícil de aceitar para a equipa, não deixa de ser motivo de orgulho para os portistas: no Dragão, não nos rebaixamos a contestar a arbitragem logo aos três minutos de jogo, como ainda recentemente sucedeu no Benfica-Porto; não queremos ver a equipe ganhar de qualquer maneira, mesmo jogando mal; não desprezamos os adversários e sabemos que, quando não se corre e não se joga bem, não adianta estar a culpar a arbitragem ou o sistema pelos desaires. Tomemos o exemplo de anteontem em Vila do Conde: se o árbitro tivesse marcado, como devia, aquele penalty a dez minutos do fim, teríamos ganho o jogo. Mas não foi por isso que não ganhámos, foi porque a equipa e o treinador só acordaram para a necessidade de ganhar quando já era tarde.

A segunda razão para os assobios no jogo contra o Fenerbahçe é conjuntural. Jesualdo diz que a equipa está em construção, mas o que se viu, passados os brilhantes vinte minutos iniciais, culminados com aquele golo displicentemente desperdiçado por Lisandro López, foi antes uma equipa em desconstrução. Circunstancialmente, os assobios irromperam, e de impaciência, à vigésima vez que o Mariano González estragou uma jogada, mas, no fundo, no fundo, os assobios eram… para Jesualdo Ferreira, ele próprio. Ainda não digerimos mais uma derrota com o Sporting, onde Jesualdo acumulou erros visíveis a olho nu; ainda não digerimos uma vitória tão fácil desperdiçada na Luz; e, contra o Fenerbahçe, o que o público sentiu foi que outra vitória perfeitamente ao alcance tinha passado a correr o risco de se esfumar — como esteve quase a acontecer quando o Helton, para não variar, deixou que a bola sobrevoasse duas vezes a sua zona de intervenção obrigatória, na primeira vez falhando a intercepção e sendo salvo pelo Rolando, e, na segunda vez, ficando pregado à baliza a ver o Guinze falhar o cabeceamento a dois metros da linha de golo.

A desconstrução desta equipa que no ano passado ganhou o campeonato em atitude de passeio, começou, é verdade, na SAD: a saída do Paulo Assunção destroçou a solidez do meio-campo; as saídas do Bosingwa e de Quaresma desfizeram um flanco inteiro e, no caso do saudoso nº 7, tal como eu previ, reduziu a capacidade ofensiva da equipa a menos de metade. Mas Jesualdo também ajudou, e muito, os problemas actuais:

— continuou convencido de que Helton dá garantias suficientes de tranquilidade e segurança e o que sucede é exactamente o contrário — é ele o grande destabilizador dos centrais e o factor primeiro de insegurança defensiva;

— adepto, e bem, do 4x3x3, viu sair o Quaresma e, mesmo assim, despachou uma série de extremos que muito jeito lhe poderiam dar: o Vieirinha, o Alan, o Pittbull, o Hélder Barbosa.

— coleccionou, nos últimos dois anos, uma quantidade infindável de trincos, nenhum dos quais oferece um mínimo de garantias, o que faz com que, de facto, só haja um trinco capaz e adaptado, que é o Raul Meireles;

— só que o Raul Meireles faz falta como médio de ataque porque, além dele, Jesualdo só tem o Lucho - de quem depende, neste momento, toda a capacidade ofensiva da equipa. Entretanto, deitou fora o Leandro Lima, o Luis Aguiar, o Ibson, o Diogo Valente. A solução poderia passar pelo recuo do Cristian Rodriguéz para médio — até porque a extremo tem sido uma decepção — ,mas então, adeus 4x3x3;

— e, enfim chegamos à razão mais evidente para os assobios, eu diria mesmo gritante: a inexplicável insistência de Jesualdo Ferreira em Mariano González. Contra o Fenerbahçe (que eu vi atentamente e de bloco notas na mão), a primeira vez que se deu pelo Mariano em jogo foi aos 41 minutos, quando rasteirou um adversário. Durante toda a primeira parte, ele não fez uma finta, um passe de qualidade, um cruzamento, uma desmarcação ou até uma intercepção: repetiu a dose contra o Rio Ave e, como Jesualdo poderá constatar revendo os vídeos, é um jogador que, depois de perder a bola (o que acontece quase sempre que a recebe) fica parado no mesmo sítio. Aos 51 minutos do jogo contra os turcos, o Mariano, após um ressalto feliz, ficou isolado perante o guarda-redes: a forma como rematou aquela bola, seria suficiente, se mais não houvesse no seu registo, para mostrar à exuberância que ele tem limitações técnicas que são inadmissíveis num jogador de uma equipa supostamente de topo. Não há um adepto portista que não prefira ver o Candeias, ou o Tarik, mesmo em Ramadão, ou o Hulk, no lugar do Mariano. Só Jesualdo Ferreira persiste e persiste na sua teimosia, revelando um grau de proteccionismo a este jogador que, para mim, não encontra justificação… nem perdão.

É claro que quem percebe de futebol é Jesualdo, não sou eu. Mas tenho sobre ele uma vantagem, enquanto observador: há vinte anos que eu vejo todos, todos, os jogos do FC Porto. Olhando para um jogo como o de anteontem, em Vila do Conde, há uma coisa que eu já sei e que Jesualdo já podia saber, com a experiência que leva da equipa: estes são os jogos que mais facilmente se tornam difíceis para uma equipa como o FC Porto. Os jogadores vão mudando, os treinadores e os métodos também, mas há coisas que permanecem imutáveis: num campo pequeno, com equipas fechadas na defesa e um guarda-redes que vai de certeza fazer a exibição da época, uma equipa de ataque e de espaços, como o FC Porto é desde há muito, vai sofrer com a falta de terreno, de ar… e de tempo. Só há uma solução para evitar problemas e o desespero no final: é carregar desde o primeiro minuto, até chegar ao golo e obrigar, então, o adversário a abrir espaços, porque tem de tentar o empate. Ora, não sendo bruxo, aos 3 minutos do jogo de Vila do Conde, eu estava a mandar uma mensagem a um amigo portista: «Desconfio que isto vai correr mal!». E porquê? Porque bastou ver a atitude displicente, pouco empenhada, de quem acha que tem todo o tempo do mundo, com que alguns jogadores entraram em campo, para perceber que aquilo se poderia complicar, com duas bolas na trave, um penalty por marcar, etc.

Quando, dois pontos perdidos sem razão nem brio, Jesualdo Ferreira veio queixar-se da hora inteira de sonolência a que a equipa se tinha entregue, cabe perguntar se a responsabilidade não será, primeiro que tudo, dele próprio. Quem falhou a passar a mensagem de que aquilo era para tentar resolver a partir do minuto 1 e não do minuto 61? Quem demorou uma hora inteira a ver o Mariano entregar jogo aos adversários até finalmente reagir? Quem demorou uma hora inteira a perceber que precisava de flanquear o jogo e, para isso, precisava de flanqueadores como o Candeias?

Uma das coisas de que tenho saudades do génio trapalhão do António Oliveira é disto: com ele, bastavam os primeiros 15 ou 20 minutos em que as coisas não funcionavam, para ele começar a mexer na equipa. Porque, como cantava o Vandrei, «quem sabe, faz a hora; não espera acontecer». É verdade, verdadíssima, que a procissão ainda vai no adro e que nada é irreversível. Daqui a uns tempos, acredito que o FC Porto poderá estar de volta ao caminho certo. Mas, para isso, é preciso mudar o que está mal e pode ser mudado, e não ficar à espera que as coisas mudem por si mesmas.

UM POUCO MENOS DE AZUL (16 SETEMBRO 2008)

1- E lá se foi, então, o Ricardo Quaresma para Milão. Satisfazendo os desejos irreprimíveis de tanta gente que mal disfarçava a sua ansiedade, Pinto da Costa consumou a mais desejada aquisição de Benfica e Sporting.

Aliás, antes ainda de consumar a venda, já lhes tinha feito a vontade, mandando que Quaresma ficasse de fora dos jogos de início de época contra os rivais de Lisboa. E o resultado viu-se: derrota contra o Sporting e perda da Supertaça; empate a saber a derrota contra o Benfica e perda da oportuidade de liquidar logo aí as esperanças encarnadas no campeonato.

O negócio era mais do que previsível, pois, como aqui tenho escrito bastas vezes, é necessário vender todas as épocas as jóias da coroa para poder compensar o dinheiro gasto em legiões de sul-americanos e o consequente desbaratar de liquidez que representa manter alguns 50 ou 60 jogadores a jogarem, a maioria sob empréstimo, em várias bandeiras. Nem mesmo a fabulosa venda do Bosingwa por 20,5 milhões de euros foi suficiente para assegurar a cobertura de mais um ano de gastos sumptuários e sem justificação. Era preciso vender outro e foi o Quaresma. Para o ano vai ser o Lucho mais o Lisandro ou o Bruno Alves — em troca de mais um saco de Renterias, Mareques, Tomás Costa, Bolattis, Marianos ou Guarins.

Mas se o negócio era previsível, o que já não era previsível, nem aceitável era a pechincha pela qual Quaresma foi oferecido ao Inter. Se ignorarmos a esperteza saloia de fingir que o Pélé vale oito vezes mais do que valia como perfeito desconhecido há um ano atrás e que a sua vinda para um lugar onde já existem quatro outros fregueses é utilíssima, a verdade, nua e crua, é que o Sr. Moratti levou o Quaresma por 18 milhões de euros- um autêntico «affarone», como se diz por lá. E se juntarmos aquilo que o Quaresma custou no negócio que envolveu a venda do Deco ao Barcelona, mais a taxa de inflação acumulada nestes quatro anos, mais os ordenados e prémios de jogo recebidos pelo jogador, mais a percentagem a pagar ao Sporting pela sua venda agora, fácilmente se chega à conclusão de que o FC Porto, contas feitas, não ganhou um tostão com a venda do Quaresma. É claro que ganhou, entretanto, muitos êxitos desportivos graças à contribuição tantas vezes decisiva do «ciganito», e ganhou as receitas das vendas de produtos associados à imagem de Ricardo Quaresma. Mas isso agora acabou (ou alguém imagina uma corrida à compra de camisolas do Mariano González?) — o que torna o negócio ainda mais desastroso.

Devem ter dito ao Sr. Moratti que Pinto da Costa era um terrível negociador. Devem-lhe ter dito também que o presidente do FC Porto tinha prometido solenemente a todos os portistas que não queria vender o Quaresma, mas que, se alguém bancasse a cláusula de rescisão, que era de 40 milhões, então, sim, ele nada podia fazer e até oferecia um euro de desconto. O Sr. Moratti ouviu e sorriu. Cruzou os braços e ficou à espera… deixando que Mourinho se fosse enervando, convencido que não ia ter aquele a quem há tempos chamava um fiteiro (quando levou porrada de criar bicho do Essien, num FC Porto-Chelsea), e deixando que o «negociador implacável» Pinto da Costa fosse dando crescentes sinais de impaciência e maleabilidade. E, quando o presidente portista apareceu a dizer ao «Corriére de la Sera» que estava à espera de uma proposta do Inter (e não já do pagamento da cláusula de rescisão), e quando, sobretudo, percebeu que a vontade da SAD portista de vender Quaresma era tanta que nem contra Benfica e Sporting arriscavam pô-lo a jogar, não fosse ele magoar-se e estragar o negócio, quando perceberem que o clube não se importava sequer de assumir uma posição de vassalagem perante os italianos, preferindo perder títulos a perder a opurtunidade de venda, então o Sr. Moratti transformou o seu sorriso num rasgado riso de predador e foi mandando uns recados que o Quaresma não fazia muita falta, talvez pudesse interessar, mas não por aqueles preços. E, como a proposta do Inter não chegava pelas vias normais, a direcção da SAD portista encarregou-se ela de ir soprando as suas proposta, em forma de recado, à comunicação social. E as propostas, como o Sr. Moratti sempre soube, eram cada vez mais desesperadas e baratas: primeiro, ele que esquecesse os 40 milhões — tinha sido uma figura de estilo, por assim dizer; depois, ele que tomasse nota então do preço do FC Porto: 30 milhões mais o Pélé; bom, vá lá, esqueçam o Pélé, é só os 30 milhões; OK, 25 mais o Pélé e daqui não descemos. Nesta altura do campeonato, um bom golpe de audácia negocial teria sido meter o Quaresma a jogar na Luz: ter-se-ia feito saber ao Sr. Moratti que desta vez era a sério, 25 milhões ou nada — além de que, pormenor, se teria ganho tranquilamente o jogo. Mas, não, nesta altura a direcção do FC Porto já estava tão desesperada que se o Inter os mandasse dançar o tango, eles teriam dançado. E, assim, na véspera de acabar o prazo de transferências, o Sr. Moratti dignou-se finalmente fazer chegar uma proposta formal ao Dragão: 18 milhões e o Pélé. E lá foi o Quaresma, por menos de metade do preço que Pinto da Costa tinha jurado que não vendia. Chapeau, Sr. Moratti!

Quanto a Pinto da Costa, é de esperar que tenha aprendido com este triste negócio, verdadeiramente ruinoso para o património do clube. Já que, por razões que me escapam, é absolutamente necessário comprar uma dúzia de jogadores todos os anos, dos quais, no máximo, só um ou dois são aproveitados, ao menos que não ponha o carro à frente dos bois: mande vir o contentor sul-americano só depois de ter assegurado o dinheiro para o pagar, para depois não acontecer ter de vender ao desbarato as pratas da casa. E nunca mais conte com o ovo no cú da galinha, para não ser obrigado a engolir solenes promessas feitas, olhos nos olhos, à nação portista.

Quanto a si, Ricardo Quaresma, olhe…auguri! Ouvi-o comentar, já em Itália, que lá «la vita é bella!». Pois é, mas não se engane. Em Milão trabalha-se no duro, muito mais do que aqui, e é por isso que os jogadores se mantêm em forma até aos 35 anos ou mais. E, ao contrário daqui, não conte nem como uma imprensa desportiva branda nem com adeptos aos seus pés. Tudo lhe será cobrado, sem contemplações.


2- Por falar em vedetas e trabalho no duro, confesso que fiquei estarrecido com o início de época do Benfica. A acreditar na imprensa, estava ali uma equipa do outro mundo e um treinador de fina água. Vedetas e mais vedetas, já nem se percebia onde encaixar tantas simultâneamente. Depois, começei por verificar que, aqui mesmo, na «Bola», dois colunistas benfiquistas já estavam a atacar o árbitro do primeiro jogo, ainda nem o campeonato tinha começado. A seguir, veio aquele mais que sofrido jogo em Vila do Conde, onde logo ficaram dois pontos, e depois veio o Benfica-Porto, em que não foi preciso esperar nem cinco minutos para perceber que o grande argumento encarnado para a vitória iria ser a pressão do público sobre o árbitro. E, enfim, veio o próprio jogo, que mostrou uma equipa de vedetas absolutamente banal, para não dizer medíocre, e o mais acessível Benfica que o F.C.Porto encontrou nos últimos anos. Só não ganhámos porque o Helton não se dispensou de oferecer o golo que sempre oferece nos jogos importantes (até quando, Jesualdo Ferreira?), e porque nos últimos vinte minutos praticamente não houve hipóteses de jogar futebol, porque de minuto a minuto tinha que se interromper para assistir um jogador do Benfica caído no chão com roturas musculares ou caimbras. Não tenho nada a ver com o assunto, que é do foro interno do clube e certamente delicado, mas lá que não me lembro de ver coisa assim, isso não.

3- Contaram-me que o estimável Octávio Machado diz que escreveu um «livro». Nada de extraordinário: a Dª Carolina Salgado também se intitula «escritora» e hoje sabemos que para escrever um livro nem é preciso saber falar, quanto mais escrever. Contaram-me também que o homem me reserva lá umas passagens de homenagem, o que também é mais do que compreensível, considerando que, mal soube que Pinto da Costa tinha tido a peregrina ideia de o fazer treinador do FC Porto, eu o classifiquei como um simples «sargento de balneário» e logo previ o desastre, sem sequer esperar para ver. Agora, posso dizer que prevejo para a sua carreira de escritor o mesmo êxito que teve na sua carreira de treinador.

NÃO HOUVE CRÓNICA (09 SETEMBRO 2008)

Não houve crónica.

NÃO HOUVE CRÓNICA (02 SETEMBRO 2008)

Não houve crónica.