domingo, julho 17, 2011

TUDO PREVISÍVEL (05 OUTUBRO 2010)

1- E, pronto, lá se foi a bela caminhada só de vitórias do FC Porto. Eu tinha avisado, mas parece que não entendo nada do assunto. Em Guimarães, num jogo facílimo de ganhar, a equipe voltou a interpretar mal a estratégia de André Villas Boas: descansar com bola não é o mesmo que desistir de correr e de jogar assim que se apanham a ganhar por um golo. Falta ali uma dose razoável de humildade e vontade: não se pode viver permanentemente à conta dos rasgos de génio de Hulk. Silvestre Varela parece que foi lá só mostrara camisola; Rodriguéz não fez melhor ; Belluschi não fez nada a não ser má cara quando foi substituído (está aprecisar urgentemente de banco de suplentes); e Fucile entregou os dois pontos. É verdade que Carlos Xistra fez uma arbitragem completamente desequilibrada contra o Porto e culminada com aquele incrível fora-de-jogo inventado a Falcão, quando só tinha o guarda-redes pela frente. Mas, como sempre disse, isso não pode servir de desculpas quando não se ganha por culpa própria. E o FC Porto não ganhou por culpa própria: por preguiça, por arrogância, por falta de atitude. André Villas Boas bem pode justificar-se com a arbitragem, mas ele que reveja a segunda parte do FC Porto e diga se gostou.

2- O duelo de sul-americanos entre Benfica e Braga foi fraquinho e resolveu-se com um belo golo de um i dos raros portugueses em campo. O Benfica ganhou porque tem melhores jogadores e jogou para ganhar 1- 0.0 Braga perdeu porque jogou para o 0-0 — e, quando assim é, acaba-se quase sempre a perder 0-1, com um golo marcado próximo do fim. Apesar de tudo, e como notou Domingos, à laia de consolação, o Benfica acabou a queimar tempo e a suspirar pelo final, perante o seu próprio público. O mesmo acontecera já na deslocação ao Marítimo, em que a histeria com que Jorge Jesus berrava com o árbitro para que acabasse o jogo diz muito da falta de confiança que ele tem no desempenho actual da sua equipa. O Braga, como já o havia feito contra Arsenal e Shakhtar, mostrou todas as suas limitações para poder jogar ao nível dos desafios de topo. O meio-campo, que Domingos tanto povoa de gente, tem jogadores claramente aquém do exigível para as suas ambições — casos de Vandinho, Andrés Madrid e, sobretudo, Luís Aguiar, que eu não consigo entender que justifique tanta insistência por parte de Domingos. E o ataque sem Matheus (que apenas entrou depois do golo do Benfica) é inofensivo. Até podia ter marcado primeiro, num pontapé fabuloso do lateral Elderson, que Roberto defendeu superiormente. Mas isso, tal como sucedeu com alguns dos golos de Sevilha ou com o segundo golo no Dragão, teria sido apenas um lance fortuito que serviria para disfarçar a evidência. Dir-se-á que o Braga se bateu quase até final e que obrigou o Benfica a recorrer a perdas de tempo para segurar a vitória tangencial. Que não foi, de forma alguma, humilhado e que caiu de cabeça levantada. É tudo verdade, mas, para a anunciada ambição, não chega. O Braga tem o orçamento que tem e que lhe permite ter estes jogadores e não outros. E não há milagres.

3- Uma bola de ressaca que bate no pé de Moisés e toma o rumo da própria baliza, só não acabando em auto-golo devido à atenção de Filipe, é transformada pelo «tribunal da Luz» num caso evidente de atraso indevido ao guarda-redes, não sancionado pelo árbitro e dando origem a um desvario de protestos vindos da bancada. É sinal que o Benfica não está forte, que não desdenha favores de arbitragem, e que o seu público o sente.

Na deslocação do FC Porto ao campo do Nacional (tranquila vitória por 2-0), quando o resultado já estava em 0-1, há um cruzamento alto do ataque do Nacional: o Rolando estica- se todo para o interceptar de cabeça, mas não chega lá e, à sétima repetição televisiva em slow-motion, parece (parece...) que a bola, raspando-lhe a cabeça, lhe vai a seguir raspar no braço. «Penalty», sentencia o comentador de serviço; «jogada de andebol» e «penalty impune», insurge-se a Instituição SLB, num dos seus frequentes comunicados à nação. Já aqui escrevi várias vezes sobre esta fatal doutrina estabelecida entre nós de que cada vez que uma bola bate no braço, tem de ser forçosamente penalty. É próprio de um futebol impotente para chegar habitualmente ao golo e próprio de doentes clubistas. Foi por isso que escrevi que, na minha doutrina alternativa, também o penalty que deu golo ao F.C.Porto na primeira jornada, contra a Naval, o não foi. O que não percebo é o desplante dos que gritam que esse não foi penalty, mas o do Funchal, contra o FCP, bem menos evidente, esse, sim, foi uma claríssima "jogada de andebol".Bem, pelo menos anteontem na Luz a "verdade desportiva" não foi incomodada: o único erro significativo da arbitragem foi cortar uma jogada em que o Alan ficaria isolado, assinalando fora-de-jogo a outro avançado, que não interferiu no lance. Parecido com o fora-de-jogo mal tirado ao Saviola em Guimarães e que tanta gritaria ocasionou. Desta vez, porém, é certo que não haverá comunicado da Instituição em defesa da verdade desportiva.. Como não houve quando, na Liga dos Milhões, o árbitro recusou um penalty claro ao Hapoel na Luz, quando havia 0-0, ou quando, também com 0-0, anulou um golo limpo ao Schalke e fez vista grossa a outro penalty da defensiva benfiquista. É preciso poupar nos comunicados...

4- A algumas semanas de distância, o Benfica já começou os jogos de pressão para preparar o FC Porto-Benfica da lO.3 jornada. Vamos ser sérios: o Benfica tem toda a razão em queixar-se e exigir medidas contra essa moda recente de o seu autocarro ser agredido por bolas de golfe, atiradas por cobardes emboscados, quando visita o norte. É absolutamente inqualificável e intolerável. Mas, nos últimos anos, nenhum clube tem um historial de violência tão grande por parte dos seus adeptos, como o Benfica. As investigações policiais e os julgamentos em curso mostram, aliás, que se trata de uma violência organizada, planeada e associada ao crime violento — como se viu no ataque ao carro particular do presidente do FC Porto, a caminho de um jogo no Estoril, no ano passado, e denunciando um planeamento e um conhecimento antecipado que são preocupantes (uma coisa é atacar um autocarro identificado, numa hora e num trajecto facilmente previsíveis; outra é atacar um carro não identificado, circulando sozinho numa auto-estrada). É claro que, felizmente, estamos a falar de minorias, de um lado e do outro: os atiradores de bolas de golfe também não representam os adeptos do FC Porto. Mas o que é extraordinário — aqui, como nas arbitragens— é a indecorosa dualidade de verdades e critérios da direcção do Benfica. Eu seria capaz de acreditar que eles são contra a violência desportiva se fossem os primeiros também a lamentar, condenar e tomar medidas contra a violência de alguns dos seus próprios adeptos. Seria capaz de acreditar que talvez fossem pela verdade desportiva se, em lugar de ameaçar não participara na Taça da Liga porque as arbitragens não lhes dão garantias de isenção, tivessem tido o gesto de grandes senhores de ter recusado receber a mesma Taça da liga conquistada há dois anos, nas condições que se sabe.

Registo, porém, que o Benfica queixa-se das arbitragens e logo o presidente da dita se dispõe a pedir desculpas e dar explicações. Que se queixa da violência e logo o ministro da Administração Interna se dispõe a receber a sua direcção para ouvir as queixas de viva-voz e prometer-lhes isto e aquilo. É isto a que o povo não-benfiquistas chama um clube do regime. E o regime vai mal...

5- Queria dizer ao André Villas Boas que ele é muito novo ainda e tem uma longa e promissora carreira pela frente. Se ao fim de alguns meses de treinador de topo, e menos de um ano de treinador tout-court, já não suporta criticas tão brandas como a de dizer que o futebol da equipa vence mas aborrece, então auguro-lhe uma carreira de constante sofrimento e irritação. Quando se exerce uma profissão pública, como a dele e a minha, está-se sujeito ao escrutínio e à critica. Carreira pública só com elogios, não conheço nem a de Jesus Cristo...

E, já agora também, queria avivar-lhe a memória. Ao contrário do que insinuou, eu não fui critico de todos os recentes treinadores portistas, designadamente Co Adriaanse, José Mourinho e Jesualdo Ferreira, como ele disse. Fui apoiante de Jesualdo desde a primeira à última hora e quase o único portista que se lembrou de lhe agradecer os serviços prestados quando saiu. Agora, é verdade que fui critico de decisões pontuais dele muitas vezes, mas isso é o que eu entendo por critica e é por isso que escrevo aqui e não na revista Dragões ou no Labaredas: papagaio de serviço não sou. O mesmo em relação a José Mourinho, que, sem abdicar de criticar algumas opções, defendi do primeiro dia que entrou nas Antas até ao último dia-a noite de Geselkirschen. E por isso é que ele me pediu que fizesse o prefácio para o livro biográfico sobre ele escrito pelo Luís Lourenço. Quanto a Adriaanse, sim, nunca me convenceu, mas parece que me limitei a ter razão antes de tempo: foi ele que arrumou antecipadamente a carreira de Vítor Baía; que saiu do clube de birra intempestiva, quando a época ia começar; e que, desde então, tem prosseguido uma carreira sempre descendente em direcção ao anonimato.

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