domingo, novembro 18, 2012

A TAREFA IMPOSSÍVEL DO ADJUNTO DO ADJUNTO DO MESTRE (25 OUTUBRO 2011)

1- Estava-se mais ou menos a meio do FC Porto-Apoel, com o resultado em 1-1 e os portistas a fazerem uma exibição de uma médiocridade assustadora. Lá atrás, na defesa, Rolando acumulava baldas sobre baldas, acabando a contagiar Otamendi; no meio-campo, Moutinho e Guarín arrastavam-se sem sentido nem orientação e, nas alas, nem Sapunaru nem Álvaro Pereira subiam para tentar romper a inabalável estrutura defensiva cipriota (onde jogam mais portugueses que no próprio FCPorto). Estava bom de ver que, enquanto o sérvio treinador do Apoel trazia a lição bem estudada e bem explicada aos seus jogadores, do lado contrário era como se a forma de jogar do adversário fosse uma total novidade. A televisão mostrou então uma imagem de Vítor Pereira que, embora absolutamente reveladora, para mim não foi mais do que a confirmação final daquilo de que aos poucos me vinha dando conta. Sentado no banco, o inútil caderno de apontamento deixado de lado, o olhar perdido no relvado, o treinador portista escutava, calado, uma longa dissertação do seu adjunto. Fiquei esclarecido e estarrecido: o adjunto (como todos os outros e como o próprio Vítor Pereira, um ano antes) chegou directamente da segunda divisão e agora ali estava a aconselhar o seu treinador em pleno jogo da Liga dos Campeões, na orientação de uma equipa que vem de uma época em que conquistou a Liga Europa e um campeonato com 27 vitórias e 3 empates.

Pouco depois, Vítor Pereira, só para fazer qualquer coisa, resolveu substituir. Tirou Fernando, o único médio que estava a jogar, e tirou James, uma das maiores esperanças do futebol mundial e que ele está aos poucos a tentar desmoralizar, incapaz de compreender a excepcionalidade de jogo do miúdo colombiano. Mas manteve Rolando, Moutinho e Guarín. Percebi que não íamos ganhar e dei comigo até a agradecer o empate. E confirmei tudo o resto que já tinha percebido e que não são os circunstanciais 5-0 ao Nacional que modificam. Esperei treze jogos oficiais para poder ter a certeza daquilo que agora vou escrever, mas escrevo-o convicto: com Vítor Pereira, o FC Porto não vai a lado nenhum.

Creio ter sido o primeiro a chamar a atenção para o sistemático desastre que são as substituições operadas por Vítor Pereira durante os jogos. È raro acertar uma e isso diz muito sobre a forma como ele lê o jogo. Um treinador que, sempre que muda, é para igual ou pior, das duas uma: ou não conhece a equipa que treina ou não é capaz de entender um jogo enquanto ele decorre. Mais vale estar quieto. Mas há várias oulras coisas que Vítor Pereira não parece entender: que James é, de facto, um génio e que não serve apenas para ponta esquerda; que Rolando precisa de ser retirado, reciclado e treinado intensamente, sobretudo no jogo aéreo; que Fucile tem de ser disciplinado e ensinado a conter-se; que não é obrigatório jogar sempre com Moutinho, sob pena de ira presidencial, e que, para sair e descansar não é necessário ser o próprio a sugeri-lo; que Guarín precisa de levar banhos de humildade e convencer-se que não é a última Coca Cola do deserto nem o maior rematador do mundo de meia-distância; que o melhor médio construtivo do FC Porto é Belluschi, assim como o melhor médio defensivo é Souza; que é preciso explicar ao Varela que não basta correr e jogar um jogo em cada três, e etc, por aí fora — enfim, alguma atenção e trabalho individual com os jogadores que, mani- festamente não existe, a avaliar pelo facto de todos eles, sem excepção, estarem a jogar pior do que no ano passado. Mas, para além destes dois défices estruturais de Vítor Pereira, há tudo o resto que treze jogos oficiais já deixaram a nu: falta de capacidade física da equipe (um dos seus principais trunfos na época passada); falta de motivação anímica, de vontade de continuar a vencer; falta de disciplina em campo, coisa que não existia com Villas Boas; falta de espírito de conquista, parecendo que nunca há pressa em ganhar os jogos, e, acima de tudo e mais grave que tudo, falta de qualquer ideia de jogo colectivo, em si mesmo.

Dizem algumas vozes compreensivas que Vítor Pereira «é bom a dar o treino» e até houve, no início e, para efeitos de alforria, quem insinuasse que era ele quem, de facto, dava o treino, nos tempos de Villas Boas. Pois, se assim era, isso só confirma a minha ideia de que o principal num treinador não é orientar os treinos, pôr os jogadores em corridinhas à volta do campo ou aos zigue zagues entre estacas, meeinhos e exercícios de defesa contra ataque banais. O essencial é perceber as características de cada jogador e saber aproveitá-las em benefício colectivo, juntando depois 11, 13 ou 15 individualidades num estilo de jogo harmonioso e pensado em função do material humano disponível. Há grandes treinadores que não orientam os treinos: ficam de fora a ver e o que orientam e a forma como os adjuntos orientam o treino. Depois, os grandes treinadores conhecem-se também durante os jogos: um treinador que não consegue ver o que todos vemos lá de cima, da bancada, que mexe na equipa mal ou a despropósito, uma e outra vez, é porque não consegue entender a diferença entre a teoria e a prática. Dizia o Lampard que ficavam impressionados quando percebiam, durante os jogos, que os adversários estavam a jogar exactamente como Mourinho lhes tinha dito que eles iam jogar. Tanto quanto se sabe, esse era, aliás, o grande trabalho específico de Villas Boas, enquanto adjunto de Mourinho. Mas Mourinho actua sobre os jogos com sentido de oportunidade e de lógica. E não actua só por actuar ou porque lhe é sugerido. Em vão lhe suplicou o Derlei, na final de Sevilha, que o tirasse porque estava rebentado: Mourinho não lhe fez vontade e Derlei acabou por marcar o golo que valeu a Taça UEFA ao FC Porto.

Vítor Pereira pode ser um grande treinador de treino e um grande adjunto de um treinador de campo. Até pode vir a ser, num futuro próximo, um grande treinador de campo. Mas, até prova em contrário, não me parece que o adjunto do ajunto do mestre seja, ele próprio, um continuador natural do mestre.

Como já o escrevi, e logo de início, percebo muito bem que, na emergência aberta pela deserção de Villas Roas, três dias antes de começar a época, não restasse outra alternativa a Pinto da Costa. Vítor Pereira foi a escolha natural, quase inevitável, para que o poder, pura e simplesmente, não caísse na rua. Ele teve coragem em aceitar o desafio, sabendo que ia queimar várias etapas e que talvez não estivesse naturalmente preparado para ele. É óbvio que tem feito o mais que pode e com dignidade, mas ninguém lhe pode exigir o que talvez pudesse dar daqui a uns anos, mas não agora. Se alguém é responsável pela desintegração acelerada da equipa-maravilha da época passada, pela descaracterização crescente do seu futebol de encantar, pela desmotivação e falta de confiança dos jogadores, esse alguém é justamente aquele que, tendo montado a ópera, abandonou a companhia antes de esta subir aos grandes palcos mundiais: André Villas Boas.

Desde o início, também, que eu me preparei para pagar o preço da deserção de Villas Boas: ver esta equipa a perder tudo o que tinha ganho na época passada. Mas há outro preço ainda e é esse que agora mais temo: que, não sentindo um comando à altura das suas capacidades, os principais jogadores do FC Porto entrem num processo acelerado de desmotivação e rapidamente acabem a pensar apenas em ir-se embora, para onde possam voltar a sentir-se triunfadores. O new-look oxigenado do Hulk é um mau sinal: sinal que ele acha que precisa de dar nas vistas de outra forma, de que já não lhe basta o seu futebol espectacular. Será que a seguir vamos ver o James todo tatuado e o Álvaro Pereira de cabelo rapado? Que alguém lhes acuda, antes que eles se percam!

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