sábado, agosto 10, 2013

WIMBLEDON E O RESTO (02 JULHO 2013)

1- Já aqui escrevi em tempos que o meu desporto preferido entre todos é o ténis. Para jogar ou para ver, não há desporto algum que se lhe possa comparar. Assistir a um jogo de um torneio ATP é ter a garantia de que em momento algum nos vamos aborrecer - com tempos mortos, tácticas defensivas, manhas dos jogadores, contestação à arbitragem, cobardias dos treinadores, comportamento lastimável do público etc.,etc. - como acontece em tantos jogos de equipa, com o futebol à cabeça, ou em vários outros desportos que resultam profundamente chatos, como a Fórmula 1. O ténís é uma espécie de combate de gladiadores em que o resultado nunca está feito até que alguém vença o último match point — como bem observou o Woody Allen, que fez desse momento o ponto de partida para um filme.

Por estes dias, os amantes do ténis vivem a sua temporada de luxo, que se inicia em finais de Maio, principio de Junho, culminando em Wimbledon. São, por ordem, os torneios de Barcelona, Roma, Monte Carlo e Rolland Garros, todos em terra batida, seguindo-se a mítica relva do All England Tennis Club, vulgo Wimbledon. Há um ano atrás, decidi que por esta altura de 2013, e coincidindo com o meu aniversário, me ia ofertar um presente de anos especial: um lugar na final de Wimbledon. Mexi-me, tentei, falei, procurei, mas não consegui: pode ser que para o ano... Vejo-me, pois, limitado a ir assistindo aos jogos sentado no sofá. O que vale é que o ténis é um jogo altamente televisivo e o court central, ou o court n°1 de Wimbledon, com várias câmaras atentas a todos os pormenores, da relva e das bancadas, é um espectáculo em si mesmo. Este é um publico civilizado e generoso, que tanto venera o vencedor justo como o vencido digno. E por isso é que é possível ver um jogador já sem hipótese alguma de virar os acontecimentos, à beira de perder o terceiro set e com três match points contra, conseguir safar dois deles apenas por uma questão de brio e de vontade de não se despedir do público sem mostrar que lutou até ao último suspiro.

Wimbledon é uma competição verdadeiramente única, não só no ténis como em qualquer outra modalidade. As boas e velhas tradições inglesas de fair play e respeito pelo público que vai ver os jogadores são absolutamente incomparáveis e a chave da atracção imortal deste nome. Isso começa logo na exigência de que todos os jogadores estejam integralmente vestidos de branco, acabando-se com a cacofonia das cores dissonantes e o mau gosto de alguns equipamentos. Está fora de questão, também, que os jogadores se apresentem despenteados à moicano e tatuagens de cima a baixo: aqui tudo é discreto e clean. Nem pensar em reclamar com o árbitro (apenas algumas leves e cerimoniosas discordâncias muito ocasionais) assim como seria absolutamente inadmissível ver os jogadores a discutir um com o outro, a abandonarem o campo sem ser lado a lado, a não se cumprimentarem entre si e o árbitro no final, ou ver o vencido deixar de felicitar o vencedor. Um só exemplo basta para perceber toda a diferença do que significa o fair play: na bancada de serviço não é necessário ordem do árbitro - ela é executada quando o jogador que vai servir está preparado e em posição e quando constata que o adversário também o está. Não há nenhum sinal entre eles, nenhum gesto ou palavra do árbitro e, no entanto, não há memória de um jogador ter servido antes que o outro estivesse preparado para receber, tentando tirar daí vantagem. A sanção para quem não cumprir quaisquer destas regras, muitas delas não escritas, é simples: no ano seguinte, o jogador que não acatou as regras não será convidado a participar.

Este ano, Wimbledon tem assistido a uma hecatombe prematura de alguns dos principais favoritos e favoritas à vitória: Nadal caiu na primeira ronda, Federer, o meu preferido, na segunda. Também tivemos a proeza da nossa Michelle Brito, derrotando a 3ª do ranking, Sharapova, mas logo caindo a seguir às mãos da 104ª. Confesso que tinha apostado que ela caía logo a seguir à sua grande vitória, porque, infelizmente, essa tem sido desde sempre a característica dos nossos tenistas, à qual Michelle Brito não escapa: a falta de consistência de jogo, a falta de um espírito de vitória que transforme ocasionais proezas sem seguimento em progressos fortes e consistentes. Quando olhamos para o lado, para Espanha, e constatamos que eles já vão na terceira ou quarta geração de jogadores de topo nos últimos trinta anos, é inevitável perguntarmo-nos por que razão nós nunca tivemos um grande jogador ou jogadora, alguém que tivesse conseguido, nem que fosse uma só semana, ocupar o top-50 do ranking. E se, há trinta anos, a desculpa evidente era a falta de condições, falta de campos,de oportunidades, de treinadores de topo, hoje, e em alguns casos, essa desculpa já não colhe. Michelle Brito, por exemplo, foi levada pelos pais para os Estados Unidos aos 8 anos de idade, com a única finalidade de jogar ténis, aprendendo na mais prestigiada escola do mundo, que é a Academia de Nino Bolletieri, em Miami. Daqui e da Academia de Barcelona, saíram muitos dos actuais jogadores do Top-20 e têm saído muitos mais ao longo dos anos. Já vários portugueses passaram por lá, mas nenhum triunfou. É, certamente, um mistério. Um frustrante mistério.

E assim, enquanto tudo parece encaminhar-se para uma final Murray-Djokovic, resta-me pensar no assunto e ficar sentado a assistir ao mais fantástico espectáculo desportivo do mundo. Como se estivesse lá, sentado ao lado da cabina onde o imortal John McEnroe faz hoje os seus comentários televisivos. E ficar a lembrar-me da mais empolgante final a que já assisti, a de 1980, salvo erro, em que McEnroe, derrotando Bjorn Borg em cinco seis e quatro horas e meia de duelo de cortar a respiração, evitou que o sueco conquistasse a sua sexta vitória consecutiva em Wimbledon, do mesmo passo resgatando um ténis de risco e de ataque, que Borg havia congelado nos courts.

2- Com uma votação norte-coreana, o Sporting entregou-se totalmente ás ideias de Bruno de Carvalho, confirmando o estado de graça de que goza o novo presidente, como ninguém mais antes dele. Segui atentamente a sua entrevista no Dia Seguinte e, entre muita coisa que me pareceu acertada e reveladora de um novo espírito de revolta contra os «abutres do futebol», que é de registar e louvar, também houve coisas que não entendi. Entendi que o Sporting transformou dívida em propriedade do clube, desse modo e por exemplo, transformando-se em parte num clube angolano - o que não deixa de ser um sinal dos tempos, no futebol como no resto. Mesmo assim, não percebi como é que, por artes mágicas, fez desaparecer 150 milhões de euros de deficit, assim como não percebi o que vai fazer com os jogadores cujo vencimento ele julga incomportável, mas que nâo aceitam baixá-lo: vai encostá-los, continuando, como impõem os contratos, a pagar-lhes um ordenado incomportável até ver se eles se fartam e vêm negociar?

Bem, uma coisa, pelo menos, vista de fora, é de louvar: Bruno de Carvalho está a mudar as mentalidades daquela casa, pondo fim a hábitos de ricos em casa arruinada. É um caminho de seriedade e o único que parece viável.

E também me parece que o caminho que ele está a seguir, mais tarde ou mais cedo, será, inevitavelmente , o do FC Porto e Benfica. Por ora, o que tem permitido o tipo de gestão dos dois grandes é a sua capacidade de gerar excepcionais mais valias em jogadores comprados barato e valorizados no clube. Mas quando, como no caso do Benfica, se descobre que estão a pagar uma loucura de l04 ordenados a jogadores profissionais, percebe-se bem que, se houver um ano em que nenhuma grande venda seja levada a cabo, tudo aquilo estremece de alto a baixo. E se no ano seguinte a situação se repetir, todo o edifício pode começar a desmoronar-se. Pode discutir-se se este tipo de gestão envolve demasiados riscos ou se é o único que permite sustentar os dois nossos dois grandes na média/alta roda europeia. Mas quando se chega ao ponto de ter 104 jogadores sob contrato, mais escolas de formação, para conseguir vender um ou dois por ano, a questão já não tem a ver com o tipo de gestão praticada, mas com o tipo de negócios levados a cabo. Sete sérvios de uma só vez?

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